Como quase toda criança nascida em meados dos anos 80,
assumi Jaspion como um de meus heróis favoritos naquele período, quando sua
série – então exibida sob o título de O
fantástico Jaspion na saudosa Rede Manchete – desfrutava de enorme
popularidade. Na verdade, até onde posso me lembrar, Jaspion foi meu primeiro
herói favorito. Recentemente, motivado por um sentimento de nostalgia, resolvi
rever os episódios daquele que se tornou o arquétipo do herói japonês para a geração de brasileiros que viveram os anos 80 e início dos 90. E fiquei
surpreso com a qualidade do seriado. Não, não estou me referindo aos efeitos
especiais, bastante ultrapassados (aliás, esse é o destino de todo efeito
especial). Estou me referindo àquelas características que são as únicas capazes
de predispor uma obra à eternidade: a belíssima trilha sonora, o padrão estético elegante, o carisma dos atores
e, acima de tudo, a qualidade das histórias.
E é exatamente este último aspecto que mais me surpreendeu
em Jaspion, durante minha primeira revisão
da série depois de tantos anos. Arrisco dizer que as histórias de Jaspion são capazes de agradar
universalmente. É por isso que as mesmas me encantaram tanto em meus primeiros
anos de vida, e me encantam novamente agora, quase 30 anos depois. E qual o
motivo do encanto? Acredito que a resposta seja simples: Jaspion é literalmente emocionante.
Não raramente, suas histórias versam sobre os aspectos
mais trágicos da vida humana. Enquanto se assiste ao desenrolar da história, é
fácil compadecer-se do sofrimento dos personagens, o que gera no espectador
o desejo de presenciar a resolução do drama apresentado. Assim, por exemplo, no
episódio 34 (“a fortaleza indestrutível”), temos a história de um garoto que
sofre com a ausência de seu pai, o qual na verdade ama demais seu filho, porém
é forçado a distanciar-se dele em razão de sua profissão. No episódio 23 (“o
monstro do século”), é-nos contada a triste história do monstro Sion, uma
criatura de coração puro, mas que ao final é enfurecido pela magia do vilão
Satan Goss, ficando totalmente descontrolado. Nestas circunstâncias, o herói
Jaspion não tem escolha senão destruir o pobre Sion. Esta é, seguramente, uma
das histórias mais tristes com as quais já tive contato em minha vida. Jaspion não expressa apenas o heroísmo
triunfante, mas também o heroísmo trágico (1).
Aliás, este mesmo episódio revela uma outra constante
em Jaspion: a exigência de respeito e
compaixão pelas criaturas de alma inocente e, sobretudo, a reverência por
valores como a amizade e a pureza das
crianças. Emblemático neste sentido é o terceiro episódio (“O sonho do menino
galáctico”), que narra a história de amizade entre um garotinho e o bondoso
monstro Namaguederaz, que adoece após ser atingido criminosamente por uma
flecha envenenada. Para salvá-lo, Jaspion impõe-se o objetivo de encontrar a
“fruta da vida”, que contém o único antídoto capaz de salvar a vida de
Namaguederaz.
Com base nestas pequenas descrições, já é possível
perceber que uma das grandes características das histórias de Jaspion consiste no fato de que as
mesmas induzem-nos a um profundo comprometimento emocional com o drama
apresentado, na medida em que exibem uma espécie de “doçura” muito similar a de
obras como o Pequeno Príncipe.
Em muitos aspectos, Jaspion é apenas uma produção “b” marcada pelo desejo provinciano
de emular as grandes produções hollywoodianas de ficção científica da época
(impossível não perceber a influência de Star
Wars em Jaspion). Mas a
mencionada “doçura” de suas histórias, consistente naquela apaixonada
reverência ao amor e na emocionada exaltação da pureza da alma inocente, faz de
Jaspion uma obra independente e até superior, em muitos níveis, relativamente
às produções norte-americanas de ficção científica e heróis. Pessoalmente,
jamais me emocionei assistindo a qualquer filme da série Star Wars. Por outro lado, revendo os episódios de Jaspion, tive de me esforçar em diversos
momentos para não chorar.
Portanto, Jaspion
não é entretenimento vazio, mas verdadeiro exercício de imaginação
moral, na medida em que fortalece no espectador seu senso de compaixão, conditio sine qua non da prática do
verdadeiro amor. Trata-se de uma obra verdadeiramente artística, atemporal, tão agradável quanto educativa (2).
NOTAS
1 Todas as
produções cinematográficas de heróis da atualidade falham em suas patéticas
tentativas de reproduzir o heroísmo trágico. Por exemplo: quando Thanos destrói
metade da existência em “Guerra Infinita”, isso dificilmente gera qualquer
compadecimento no espectador. Mas quando o monstro Sion morre (inesperadamente)
no final do episódio citado de Jaspion,
é difícil segurar as lágrimas. Um real sentimento de perda e desamparo
simplesmente invade o ambiente, e o espectador não tem saída senão comover-se
profundamente.
2 Em função
de minha redescoberta de Jaspion, resolvi assistir a uma produção Tokusatsu
recente, Space Squad, centrada no
herói Gavan (de quem, aliás, Jaspion foi apenas um continuador). Sinto dizer
isso aos fãs de Tokusatsu, mas sem os elementos éticos e emocionais ricamente
explorados em Jaspion, o gênero Tokusatsu não passa de uma tentativa um tanto
desajeitada – e até triste – de copiar o cinema americano. Assistindo a Space
Squad, eu tinha a sensação de estar vendo algum filme amador protagonizado por
estas pessoas que se fantasiam em convenções de super-heróis. Esta incômoda impressão fica ainda mais evidente quando se assiste Kyuranger vs Space Squad, produzido neste ano.
Concordo com você. Também já acompanhei algumas series novas de tokusatsu e vejo que elas não tem a alma das antigas. Não quero ser nostálgico, mas sinto uma frieza, como nossos tempos são hoje em dia.
ResponderExcluirMuito obrigado pelo comentário, Donizete!
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