sexta-feira, 20 de maio de 2011

Inatualidade do Super-homem?

Quando Hegel escreveu na sua obra “Princípios de Filosofia do Direito” (“Grundlinien der Philosophie des Rechts”) que a “História universal” é um “Tribunal do mundo”, na qual o “espírito universal exerce seu direito” (§340), temos que reconhecer que há alguma verdade nisto – ao menos se aplicamos essa regra ao mundo dos quadrinhos, que é o que nos interessa aqui. Na verdade, vamos especificar ainda mais o âmbito de atuação daquelas palavras de Hegel: à relação entre Super-homem e a repentina popularidade de certos personagens noventistas.

Para tanto temos que esclarecer nossa memória. Pra quem já não se lembra, no meio dos anos 90, surgiram certos títulos de quadrinhos que fizeram enorme sucesso entre os leitores: Wildcats, Gen13, Cyberforce, Savage Dragon, Youngblood e, finalmente, o mais bem sucedido e aquele que podemos apontar como líder deste movimento de “heróis” desajustados – Spawn!

Hoje em dia, isso talvez pareça improvável. Afinal, pouco se fala hoje sobre Spawn e companhia. Mas a revista Wizard não nos deixa mentir (que, diga-se de passagem, era uma excelente revista). Adotando como exemplo os números de dezembro de 96 a agosto de 97 da citada revista, podemos constatar, pela seção “os 10 melhores quadrinhos” (que, ao que parece, eram votados pelos leitores), que títulos como Gen13, Spawn e Wildcats estavam sempre no topo. Cyberforce estava sempre presente. Dos heróis mais tradicionais, apenas Batman e Homem-aranha se faziam presentes. X-men e Wolverine eram os maiores rivais dos “filiados” ao Spawn (e os próprios X-men e Wolverine também não poderiam ser encaixados nesta categoria? Bem, isso já é outra discussão...). Criadores como Jim Lee, Chris Claremont e Todd Mcfarlane eram os mais festejados. Mas e o Super-homem? Onde ele estava? O Super-homem aparecia apenas eventualmente; e ainda assim, ocupava no máximo o décimo lugar. Já nessa época havia dúvidas sobre o futuro do Super-homem. Muitos leitores o julgavam inatual. Aparentemente, tudo nele estava ultrapassado: o uniforme, o caráter, etc. Diante de personagens como Spawn e companhia, o homem de aço parecia simplesmente ultrapassado. E, o que parecia confirmar esses juízos, é que a própria DC decidiu reformulá-lo, transformando-o em um ser elétrico. Mas foi tudo ilusão. A tal reformulação foi mais tarde ignorada, e o Super-homem continuou vigoroso na sua velha tradição, e ainda continua, o que é provado pelo fato de que seus títulos continuaram ininterruptos durante todos estes anos. Mas e quanto ao Spawn, Wildcats, Gen13 e cia.? Sinceramente, não tenho resposta para essa pergunta... simplesmente porque nunca mais ouvi falar desse pessoal.

Por isso, ao menos neste aspecto em particular, as palavras de Hegel podem ser consideradas verdadeiras. O tribunal da História absolveu o Homem de aço; mas condenou duramente à pena de ostracismo todos aqueles personagens que, enfim, tiveram que desaparecer tão rapidamente quanto surgiram. E é por isso também que é risível, diante daqueles que conhecem muito bem os precedentes do tribunal da História, aquelas opiniões que ainda hoje insistem em ocupar espaço, segundo as quais o velho e bom Homem de aço está “ultrapassado”, que seus valores são inatuais, que seu traje não possui a mesma força simbólica de outrora, etc. Devo alertar a estes jovens leitores que não se deixem enganar: tais opiniões não são novidade e, no entanto, jamais conseguiram provocar sequer um único arranhão no que há de mais substancial no mito e popularidade do Maior de Todos os Heróis. Antes, o Super-homem se apresenta como o que há de mais tradicional nos quadrinhos: não provoca histeria ou paixões momentâneas, mas está sempre presente de modo essencial, ainda que por vezes tal presença não seja notada pelo indivíduo desatento – assim como ocorre com o ar que respiramos.

É por isso que, para nos utilizarmos de uma linguagem hegeliana, aquelas opiniões são produto do mero “entendimento”, do “sentimento”, da “subjetividade”, mas não da “razão” e, portanto, não reflete em nada a “Ideia”, e o verdadeiro “espírito” de uma cultura. Pois, em última instância, é a favor deste último que a História, em seu tribunal, profere sua decisão. Diante da História a ilusão subjetiva não tem qualquer direito. Afinal, será que existe maior ilusão no universo dos quadrinhos do que aquela da suposta inatualidade do Super-homem?