segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Superman, Capitão Marvel, Übermensch e o ressentimento dos fracos


Superman e Capitão Marvel desenhados por Alex Ross

Já houve quem discutisse se o Super-homem de Siegel e Shuster representa a versão “quadrinística” do Übermensch, o mais famoso conceito do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, ou se ao menos guardam alguma semelhança. A opinião corrente é de que eles nada têm em comum. Afinal, o Super-homem dos quadrinhos é bastante cristão (há quem até o compare com Jesus Cristo...) e o Übermensch é o demolidor do cristianismo. Quanto a isso, parece que os dois realmente se diferenciam, e, aparentemente, até se opõem. Mas, analisando a mesma questão, só que sob nova perspectiva, cheguei a outras conclusões. Para tanto, precisei vivenciar um fato no qual tanto o Super-homem quanto o Übermensch tinham a mesma aplicabilidade. Ao invés de perguntar sobre o puro conceito dos dois entes, deparei-me com as consequências, ou a impressão, que ambos deixam sobre as pessoas. Simplificando, a questão pode ser colocada da seguinte forma: que fatores levam as pessoas a negar ou afirmar, aprovar ou desaprovar, amar ou odiar o Superman/Übermensch? Ao responder isso pra mim mesmo, constatei que os fatores eram idênticos; e nesse aspecto, há a identificação entre os personagens. Mas foi um fato aparentemente ridículo que me trouxe tais respostas.

Há alguns dias tive uma conversa com um amigo, sobre quadrinhos. Como sou um fã inveterado dos grandes heróis clássicos, coloquei o Superman na conversa. “Eu odeio o Superman”, ele disse. Então falei do Capitão Marvel. “Eu odeio o Capitão Marvel!”, exclamou meu interlocutor. Sem pretensões tolas de convencer o rapaz a adotar a opinião contrária, limitei-me apenas a inquirir sobre a razão de tanto ódio. E ele não poderia dar-me uma resposta mais esclarecedora: “O Superman é muito... é muito... muito super! E o Capitão Marvel... bem, ele é maravilhoso demais!”. Aquela resposta me deixou surpreso. Afinal de contas, o que há de errado em ser bom? Em ser forte? Em ser corajoso, heróico? Em suma: por que diabos os qualificativos de “maravilhoso” e “super” deveriam incomodar alguém em sã consciência?? Como um ser humano normal poderia dizer que o bom é, na verdade, algo ruim??? Foi aí que o velho Nietzsche colocou a resposta bem diante do meu nariz. Eu havia formulado as questões de maneira errada: Meu amigo não estava são, e nem era uma pessoa saudável; mas estava tomado por uma doença chamada “ressentimento”. E o homem doente distorce a realidade e inverte os valores. Assim, o bom torna-se mau; e o super, o maravilhoso, não são mais dignos de adoração, mas de ódio.

Mas o que leva ao “ressentimento”? É justamente a covardia típica do fraco. A fraqueza, em si mesma, não chega a ser uma doença. É apenas um obstáculo. De certa forma, é o ponto de partida do forte. A fraqueza está apenas na vontade: aquele que é verdadeiramente fraco, não deseja ser forte. Ele é tão fraco e preguiçoso, que prefere amaldiçoar o mundo e a vida com palavras de ódio, a admitir que está do lado errado. Não lhe ocorre dizer “a vida exige força, e para ser digno da companhia e amor desta belíssima jovem, tornar-me-ei forte!”. Pelo contrário, prefere pensar: “A vida exige força de mim, e eu a odeio por isso!”. O Super-homem de Nietzsche é simplesmente aquele que finalmente percebeu tudo isso e, nesta dicotomia, resolveu tomar o partido da vida. Ele sabe que além da vida há o nada, e para que seja algo, é preciso amar e aceitar a vida. AMOR FATI. E assim o faz. Superman e Capitão Marvel fazem a mesma coisa. São personagens extremamente vivos. São ricos em disposição, força e saúde. Escolheram a vida heróica, e sofrem por isso. Mas aceitam o fardo! É certo que Superman e Marvel seguem um senso moral tipicamente cristão. Mas escolheram isso! E não escolheram a compaixão, ou seja, defender os fracos, porque eles próprios também são fracos, e, portanto, desejam que os fracos sejam defendidos e enaltecidos simplesmente para que eles próprios sejam defendidos e enaltecidos. Muito pelo contrário. Eles são os mais saudáveis e fortes. Escolheram o caminho do heroísmo compassivo simplesmente porque é assim que querem viver. Escolheram-no pela força, não pela fraqueza.

Portanto, colocando as coisas dessa forma, as diferenças entre o Übermensch e o Superman são muito poucas, ou nenhuma. Digo “nenhuma” porque mesmo quanto à escolha da moral cristã, os dois não chegam a se contradizer. O que Nietzsche repudiava no cristianismo não era sua condição de guia do comportamento (como mostrado em “O Anticristo”), mas sim a adoração desmedida, introduzida por Paulo de Tarso, ao além, e o completo esquecimento e negação da vida terrena. E isso, nem Superman e nem Capitão Marvel fazem. Ao contrário – como já explicado – eles afirmam a vida em todos os momentos. Afinal, será que há, em nossa cultura, uma antítese da moral do sacerdote – aquele sujeito sombrio, raquítico, cansado e ressentido – mais emblemática que o Superman de Jerry Siegel e Joe Shuster?

Assim, agora parece perfeitamente compreensível toda a irritação que o “super” e o “maravilhoso” podem causar. Afinal, quando se está doente, a saúde alheia não parece incomodar? O repúdio ao Superman – este verdadeiro mito que carrega em si o poder e a vitalidade suprema – é especialmente sintomático nos degenerados, nos ressentidos - os maiores inimigos do Übermensch. Dessa forma, transportando agora tudo isso para a vida dos indivíduos, o Übermensch transforma-se naquele indivíduo que escolhe um valor, enquanto que o Superman, torna-se este valor mesmo, o qual define o Übermensch. Se, portanto, enquanto considerados como entes fictícios, eles se identificam em muitos aspectos (ou até em todos...), se então vivenciados na vida real das pessoas, poderá até mesmo haver uma relação de complementaridade; mas nunca de oposição.


Um adendo...

Recentemente assisti um documentário sobre o Superman, produzido pela BBC no início da década 80. Além de pessoas diretamente envolvidas com o personagem - como os criadores Jerry Siegel e Joe Shuster - outros também são entrevistados. Vale citar os então escritores de quadrinhos alternativos Trina Robbins e Art Spiegelman, além do famoso psicólogo (e hoje bastante desacreditado) Frederic Wertham. Estas três figuras incorporam muito bem aquilo sobre o qual foi falado acima: o ser humano completamente carente de saúde, e suas eventuais ações. Robbins e Spiegelman poderiam ser classificados como aquilo que chamo de "artistas que não produzem arte". Sim, pois o objetivo da mais nobre arte é provocar no sujeito a contemplação estética, por meio do belo e do sublime - e essa é a conclusão a que chegaram sérios pensadores como Plotino, Kant e Schopenhauer, apenas ignorada pelo advento do doentio século XX - logo, um artista que não produz a beleza, mas que por alguma conveniência cultural mesmo assim é chamado de "artista", só pode ser um "artista que não produz arte". Robbins e Spiegelman desprezam a beleza. Mas adoram retratar a si próprios (e suas eventuais imperfeições e neuroses) em seus próprios quadrinhos "alternativos". Para Trina Robbins, os quadrinhos de super-heróis são algo para "garotinhos"... e ela "espera que eles cresçam". No entanto, em uma cena do documentário, ela mostra uma gravura, na qual a personagem (ela própria) procura uma identidade. Entre as opções estão Mulher-Maravilha, "The Jungle Queen"... e "B and D" - "Bandage and Domination", como ela própria explica ao entrevistador - uma clara referência ao sadomasoquismo. Após isso, ela explica que, embora goste do visual de "B and D", isso não quer dizer que ela queira agir como uma verdadeira "B and D".  Em síntese, o trabalho de Robbins parece uma mistura de esquizofrenia, egocentrismo exacerbado e gigantesca puerilidade. Spiegelman é mais agressivo. Não é pueril, mas sim o autêntico retrato de um adulto perturbado mentalmente; ou seja, é algo muito pior. Em outros momentos, representa a outra face do homem decadente: o cansaço. Neste sentido, é bastante revelador um de seus esboços mostrados no documentário: a figura de um rato de aparência frágil, cabisbaixo, vestindo os trajes do superman, apenas dizendo "it's a bird... it's a plane... it's boring".

Mas o mais sintomático e exemplar é o dr. Wertham. Primeiramente, Wertham ensina sobre o parentesco entre o Superman e o Übermensch. Depois, diz que o Superman (ou Übermensch, pois ele parece associar os dois de maneira tão estreita a ponto de praticamente se confundirem) "em si mesmo representa força, poder, e violência". Diz que o que aconteceu na Alemanha (segunda guerra, política antisemita, campos de concentração etc.) só pode ser entendido a partir disso. Que ele (o Superman/Übermensch) "representa a abolição da lei, pois o Superman está acima da lei, de todas as leis; as leis democráticas (...) e até mesmo acima das leis físicas e químicas (...) e, de conseguinte, o que isso ensina aos jovens (...) é que não há responsabilidades". Toda essa falácia monstruosa é proferida por uma voz titubeante (e muito pouco clara) acompanhada de gestos de mãos trêmulas e movimentos corpóreos desastrados. Um homem fisicamente e mentalmente doente, sem dúvida. O protótipo do antípoda do Übermensch: um homem que fora abandonado pela vida antes mesmo de morrer e, ciente e ressentido deste abandono, direcionou toda a sua vontade para a vingança. Por isso atacou os grandes Heróis que então surgiam, pois simbolizavam o melhor da vida: a beleza, a força, a saúde, a disposição. E então empreendeu sua vingança, publicando "Seduction of the Innocent", cujo conteúdo não passava de uma falsa calúnia sobre o heroísmo - e como poderia o heroísmo ser caluniado, senão falsamente? Ora, o velho Zaratustra tem a resposta: "para os porcos, tudo é porco".



Para os interessados que queiram assistir ao documentário, eis aqui o link da primeira parte: http://www.youtube.com/watch?v=eTUrFYU2e_I&feature=related

As outras partes podem ser facilmente encontradas a partir deste link.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Superman VS Capitão Marvel: Quem voou primeiro?


Introdução

Em primeiro lugar, desejo esclarecer as motivações que me levaram a escrever este texto: há algum tempo vejo alguns leitores de quadrinhos que afirmam que o Capitão Marvel manifestou o poder de voo antes mesmo do Superman, e que a DC (então National Periodical) introduziu esse poder no Superman somente após o sucesso do Capitão Marvel. Sempre aceitei este fato, e nunca me incomodei em investigá-lo. E mais: já cheguei a passar esta informação adiante. Todavia, enquanto investigava outros assuntos, acabei tendo contato com as primeiras histórias do Capitão publicadas na Whiz Comics. Para minha surpresa, constatei que o Capitão Marvel não conseguia voar em sua primeira história, oficialmente datada de fevereiro de 1940. Tal fato me levou a investigar melhor a questão, uma vez que, a partir daquela constatação, pareceu-me evidente que a tese de que o Capitão Marvel havia voado antes do Superman poderia não passar de um grande mal entendido, destes que normalmente ocorrem simplesmente porque nós seres humanos temos o péssimo  hábito de repassar informações sem avaliar seu nível de credibilidade.  A partir deste texto, desejo expor as conclusões a que cheguei a partir de um número razoável de fontes. Obviamente, por se tratar de investigação de caráter histórico, temos de aceitar que tais conclusões serão sempre provisórias, porque jamais podem excluir a possibilidade de surgimento de provas em contrário. Assim, de maneira alguma excluo a possibilidade de mudar radicalmente meu posicionamento diante de novas evidências históricas. No entanto, até o presente momento, minhas conclusões são as que seguem.


O problema

Superman apareceu pela primeira vez nas páginas da revista Action Comics, em junho de 1938 (data oficial). Já nesta estréia, seus poderes eram definidos pela narrativa de Jerry Siegel: “When maturity was reached, he discovered he could easily: Leap 1/8 of a mile; hurdle a twenty-story building... Raise tremendous weights... Run faster than a expresses train... and that nothing less than a bursting shell could penetrate his skin!”. Portanto, ele não voava; apenas podia saltar 1/8 de milhas ou pular um prédio de 20 andares. Nas narrativas das primeiras histórias, não há qualquer elemento que poderia nos fazer crer que o Superman voasse (refiro-me aqui às edições de junho de 1938 à junho de 1939 da revista Action Comics – além disso, nada posso comprovar, pois não tenho as edições seguintes). Muitas vezes, o Superman preferia correr em supervelocidade à saltar (ora, se ele não tinha controle sobre a gravidade do próprio corpo, então era natural que fosse mais rápido correndo). Aqueles que testemunhavam seus feitos, classificavam-no como alguém que “pulava longe” (em Action Comics n. 8, por exemplo). O verbos utilizados pela narrativa para descrever sua ação nunca denotavam ação de vôo (“leap”, “hurdle”, “race”). Em suma, de fato ele não voava. Um site aparentemente confiável diz que “somente em maio de 1943 há referências explícitas que o Superman ‘pode voar como um pássaro’, e que somente no final do mesmo ano, pode-se dizer, sem qualificações,que o Superman realmente possui o poder de vôo”(http://theages.superman.nu/encyc/powers.php).

Capitão Marvel apareceu pela primeira vez em fevereiro de 1940 (data oficial), na revista Whiz Comics n.2. Ao contrário do que muitos parecem pensar, nessa época ele também não voava. Em sua primeira história, quando o garoto Billy Batson conhece o mago Shazam, este lhe mostra uma inscrição na parede da caverna onde vive, na qual estão transcritos os poderes que o menino herdaria dali alguns instantes: sabedoria de Salomão; força de Hércules; resistência de Atlas; o poder de Zeus; a coragem de Aquiles; e a velocidade de Mercúrio. Não havia algo, portanto, que declarasse explicitamente que o Capitão voasse. Nas próximas aventuras, essa inscrição apareceria sempre, fosse logo no início das aventuras, ou no momento em que Billy se transformasse no Capitão – da mesma maneira que ocorria com o Superman, mas, neste caso, dizia-se sobre sua grande força, a capacidade de saltar sobre prédios etc. Na prática, o Capitão exibia exatamente os mesmos poderes que o Superman: a mesma força, a mesma forma de correr, havia as cenas nas quais as balas de revólver rebatiam em sua pele invulnerável, e... os mesmos saltos!

Superman saltando em Actions comics n.1, junho de 1938

Capitão Marvel em seu primeiro salto, em Whiz Comics n. 2, fevereiro de 1940

O ótimo site The Marvel Family Website (http://www.marvelfamily.com/FunFacts/funfact.aspx?FFID=29) afirma que o Capitão Marvel demonstrou ter, pela primeira vez, a capacidade de voar em Whiz Comics n.5, de junho de 1940. Na edição que se seguiu, houve outras supostas demonstrações de habilidade de vôo, até consolidar-se em Whiz Comics n.7, de agosto de 1940. Na edição de outubro daquele mesmo ano, diz o site, um cidadão já se pergunta se Marvel “é um homem ou um avião”. Embora não concordemos com as afirmações de que Marvel voou nas edições de junho e julho, é indubitável que ele voou em agosto (nesta edição, ele parou um avião no ar!). Entre a edição de agosto – na qual ele voa – e a edição de outubro – na qual ele é comparado com um avião – há a edição de setembro, onde a palavra “fly” é relacionada pela primeira vez ao Capitão. Todavia, verbos como “leap” ainda continuariam a ser utilizados pela narrativa para descrever, ocasionalmente, a ação do Capitão Marvel quando este está prestes a voar.

 Capitão Marvel pára um avião em pleno ar, em Whiz Comics n.7, agosto de 1940

Capitão Marvel levanta um iate em Whiz Comics n. 8. A palavra “fly” é usada pela primeira vez pela narrativa e personagens

Em razão de sua habilidade de vôo, Capitão Marvel provoca a dúvida nas pessoas: "Será ele um homem ou um avião?"

Estas informações, somadas àquelas trazidas por Michael Fleischer, na sua The Original Encyclopedia of Comic Book Heroes Volume 3, levam o Marvel Family Website a concluir que o Capitão Marvel voou antes do Superman. Ainda que não tenhamos acesso às edições da Action Comics depois de junho de 1939 (com exceção de umas três histórias) essa afirmação parece-nos bastante verossímil.

No entanto, as pesquisas do Marvel Family Website se circunscreveram às histórias do Superman mostradas nos quadrinhos. Aparentemente, a obra na qual o site baseou-se para tirar conclusões sobre o Superman – The Original Encyclopedia of Comic Book Heroes Volume 3 – a julgar pelo nome, limitou-se à esfera dos quadrinhos. Portanto, quando se diz, com base nestas informações, que “o Capitão Marvel voou primeiro”, está se afirmando na verdade que o Capitão foi o primeiro a voar nos quadrinhos, mas não o primeiro a voar, de qualquer forma. Por ora, diremos que esta é a conclusão mais correta, sobretudo se considerarmos o programa “The Adventures of Superman”, que foi transmitido pelo rádio a partir de fevereiro de 1940.


Superman no rádio

Em 12 de fevereiro de 1940, foi ao ar o primeiro episódio das aventuras radiofônicas do Superman (http://www.supermanhomepage.com/radio/radio.php?topic=r-radio ). No mesmo mês e ano, portanto, da primeira publicação da Whiz Comics contendo o Capitão Marvel. Ainda que hoje muitos jovens (e velhos também) possam subestimar os programas radiofônicos do homem de aço – ainda que nunca o tenham escutado – sua importância para o universo do Superman é incomensurável. Em seu livro sobre o programa, o escritor Michael J. Hayde chegou a afirmar que, se o programa de rádio tivesse falhado, não haveria filmes ou séries do herói, e seus quadrinhos provavelmente teriam  desaparecido (http://robot6.comicbookresources.com/2009/08/talking-comics-with-tim-michael-j-hayde). Afirmou  também, em entrevista (endereço supracitado), que a audiência do programa era muito superior ao público que comprava quadrinhos. Tanta popularidade não deixaria de surtir efeitos sobre o universo dos quadrinhos: personagens como Perry White e Jimmy Olsen foram criados no programa de rádio, assim como a Kriptonita. Não bastasse isso, o Superman voou pela primeira vez no rádio. Oito meses antes da publicação de Whiz Comics n. 9, Superman já era confundido com um avião – pelo visto, o sucesso do programa de rádio não influenciou somente os gibis do Superman... Sim, a clássica frase “Look up the sky! It’s a bird! It’s a plane! It’s Superman!” fez sua estréia no primeiro episódio, “The baby from Krypton”, e foi repetida na abertura de todos os outros. O narrador usava outras expressões para qualificar os movimentos do Superman. No segundo episódio da série (também de fevereiro de 1940), Superman é classificado como “an eagle of the sky”, “winging his way west over city and plain, river and mountain”. Nos episódios posteriores (por exemplo, no episódio 6, "The silver clipper", de 23 de fevereiro de 1940), ele eventualmente é chamado de "flying man" por aqueles que testemunham seus feitos. Descobri até mesmo uma propaganda de jornal do programa de rádio, onde se diz que, entre suas habilidades, está a de “voar sobre os prédios” (“among his abilities, are flying over buildings”). De acordo com a fonte, esta propaganda é do mesmo mês de estréia do programa, ou seja, fevereiro de 1940 (http://michaeljhayde.com/fof.html ). Portanto, a expressão “fly”, foi atribuída ao Superman meses antes de Capitão Marvel voar pela primeira vez nos quadrinhos.


Propaganda de jornal para o programa de rádio do Superman, de fevereiro de 1940. Observe que no texto está escrito que ele “voa”, e não que simplesmente “salta” ou “pula”.

No episódio "Left to die" (ou "left to be killed"), de 15 de março de 1940, Superman exibe de forma inequívoca o poder de vôo: ele evita um desastre de avião, pousando-o. Nesta história, um avião tripulado (inclusive com o próprio Clark Kent) voa sobre "Rock Montains", e as asas do avião começam a congelar. Kent se atira e se transforma no Superman. No ar, ele observa:"The plane is out of control! Falling fast (...) Not much time! Here goes!". Faltando poucos segundos para bater nas montanhas, o avião, então desgovernado, começa a parar. Assim segue-se o diálogo entre os pilotos:

- We're slowing! We're leveling off!! What's happening?? ("Estamos diminuindo a velocidade! Estamos parando gradualmente!O que está acontecendo?")

- I-I don't no! We're stopping right in the air!! ("Não sei! Estamos parando em pleno ar!")

Após isso, o avião é aterrissado. A diminuição gradual do avião então desgovernado, em pleno ar, e sua aterrissagem confortável, não deixa dúvidas de que o Superman teve que voar para evitar o desastre. Essa talvez seja a primeira vez que se imagina um homem que evita um desastre aéreo utilizando-se tão-somente da própria força física e, obviamente, da capacidade de manipular a gravidade do próprio corpo (como já dito, Capitão Marvel voaria, nos quadrinhos, apenas em agosto de 40; e evitaria um desastre aéreo somente em janeiro de 41).

No entanto, expressões como "leaps" e "bound" ainda são utilizadas pela narrativa para descrever o impulso inicial que desencadeia o vôo – todavia, assim também ocorre nas histórias do Capitão Marvel quando este já exibe, sem dúvida alguma, a habilidade de voar. Resta o problema: por que tais alterações não foram adotadas de imediato nos quadrinhos? A resposta pode ser que pessoas diferentes escreveram o Superman em suas diversas representações nas diferentes mídias. Além disso, ainda que Superman voasse no rádio, quem escrevia suas histórias nos quadrinhos ainda era seu próprio criador, Jerry Siegel que, talvez por uma questão de “ortodoxia”, não queria ultrapassar os limites que havia imposto à sua própria criação. Obviamente, isso é mera conjetura. De qualquer forma, pode-se dizer que a série animada dos irmãos Fleischer, de 1941, retrata esta confusão: em certos episódios Superman voava; em outros, não.

Há quem diga que o acréscimo da habilidade de vôo no Superman, no rádio, deve-se à dificuldade da equipe de sonoplastia em simular o som de um salto em grande distância (http://www.hcast.com.br/hcast/index.php/voce-sabia-que ). Esta afirmação parece-nos plausível. Sobretudo se considerarmos toda a “atmosfera” dos episódios do rádio: aqui, as maiores seqüências de ação do Superman são justamente aquelas que incluem o vôo (com seu som todo especial de “vento soprando”). A todo momento, as testemunhas de seus feitos o classificam como “a flying man, with blue costume and red cape”. Num programa de rádio do Superman, o som produzido durante o vôo é o efeito especial mais extraordinário que se poderia imaginar. E os produtores e escritores do famoso programa de rádio tiveram que explorar isso.

Posso citar pelo menos duas boas fontes que corroboram minha tese: de que o poder de voo do Superman fora introduzido no programa de rádio, muito antes dos quadrinhos ou mesmo da maravilhosa série de desenhos animados produzidos pelos irmãos Fleischer:

Stephen Skelton, no livro "The Gospel according to the World's Greatest Superhero" (2006, p. 21), afirma que foram os escritores do programa de rádio que concederam ao Superman a habilidade de voar*.

O documentário "Look, Up in the Sky: The Amazing Story of Superman", dirigido por Kevin Burns e escrito por Steven Smith e James Gant Golding, também atribui ao programa de rádio o pioneirismo quanto ao poder de voo, hoje tão tradicional no mito do Homem de Aço.

Vale lembrar que no início de alguns episódios radiofônicos, a frase “able to leap 1/8 of a mile in a sinlge bound” fazia-se presente. Mas desde que lembremos que ela também estava presente na abertura da série dos anos 50, com George Reeves, então não há porque pensar que esta afirmação signifique que o Superman não possa voar.

Conclusão

De fato, parece-nos correto afirmar que Capitão Marvel foi o primeiro super-herói a voar nos quadrinhos; mas não é correto afirmar que foi o primeiro super-herói dos quadrinhos a voar. Diante de todo o material examinado, é indubitável que o Superman voou (no sentido mais específico do termo) no rádio antes mesmo do Capitão Marvel voar nos quadrinhos (seja no mês de junho de 1940, conforme a opinião do Family Marvel Website, ou em agosto do mesmo ano, conforme nossa opinião) e antes mesmo dele próprio voar de forma definitiva nos quadrinhos. Ironicamente, o primeiro super-herói dos quadrinhos a voar não voou pela primeira vez nos quadrinhos, mas num programa de rádio.

Ainda é preciso levar em consideração que as revistas daquele período eram muitas vezes publicadas com cerca de dois meses de antecipação em relação à data da capa. No entanto, mesmo assim, isso não altera o teor de nossas conclusões. Pois mesmo que consideremos que a Whiz Comics n.5, datada com o mês de junho, tenha sido publicada dois meses antes (isto é, em abril), ainda assim o Superman já tinha voado inequivocamente no episódio "Left to die", de 15 de março. Além disso, reafirmo que, em minha opinião, Capitão Marvel só voou de maneira inequívoca a partir de Whiz Comics n. 7, datada de agosto, mas que poderia ter sido realmente publicada em junho de 1940. Além disso, parece-me ainda razoável crer que o Superman já voava desde os primeiros episódios, de fevereiro de 1940, uma vez que desde estes primeiros episódios o Superman já é comparado metaforicamente a um "pássaro" e a um "avião". Além disso, temos de considerar a sonoplastia do programa, que desde estes primeiros episódios parecia emular o som de voo, e não de simples salto, e mais ainda, há de se levar em consideração o cartaz (que, ao que tudo indica, fora publicado em fevereiro de 1940) acima exposto, no qual se atribui explicitamente ao Superman o poder de voar. Assim, mesmo na melhor das hipóteses para o Capitão Marvel (de que ele tenha voado em abril de 1940), o Superman teria voado primeiro com uma antecedência de pelo 1 mês de diferença. Mas se considerarmos que ele já voava desde os episódios do programa apresentados em fevereiro, esta diferença sobe para dois meses de antecedência.  

Para quem tiver interesse nas aventuras radiofônicas do Superman, este site disponibiliza várias delas: http://www.podcastdirectory.com/podcasts/archive.php?iid=16341

Quem quiser ler as primeiras histórias do Capitão Marvel, basta baixá-las aqui: http://goldenagecomics.co.uk/ - O site afirma que todas as edições disponíveis já estão no domínio público.

Notas:

*Esta informação pode ser encontrada neste endereço: https://books.google.com.br/books?id=2bYGWMEl53sC&pg=PA21&lpg=PA21&dq=Superman+flying+first+time+radio+show&source=bl&ots=oqBYdYL-S9&sig=99vR5baJ_5LR19BOk3fRRFNyNq4&hl=pt-BR&sa=X&ei=NbmBVa--EMuw-QHXoYP4DA&ved=0CCQQ6AEwATgK#v=onepage&q=Superman%20flying%20first%20time%20radio%20show&f=false