sexta-feira, 1 de maio de 2020

A polêmica em torno de "Superman versus Thor"


Considerações introdutórias

Na cultura popular, é provável que a maior rivalidade entre heróis poderosos tenha sido aquela de Hulk e Superman, uma vez que os mesmos representam, no contexto daquela cultura, o auge da força física. Porém, percebi que desde os anos 90 surgiu, dentro de círculos mais estreitos, uma outra forte rivalidade: aquela entre Thor e Superman. O motivo disso seria o seguinte: além de Thor ser incrivelmente forte, ele ainda conta com a magia de seu martelo, o Mjolnir. E, como se sabe, a magia é uma fraqueza do Superman.

Em 1997, a revista Wizard (n.11) publicou por aqui um pequeno debate entre os escritores Louise Simonson e Walt Simonson, para se determinar quem deveria vencer num combate entre Thor e Superman. A resposta de Walt foi a seguinte:

“Qualquer espécie de luta entre oponentes relativamente equiparados, como no caso de Thor e Superman, ficaria claramente ao critério do escritor. Mas partindo da ideia de que o Thor é um ser místico, e magia ser uma das coisas contra a qual o Super-homem é vulnerável, eu provavelmente apostaria no Thor. Por outro lado, o Super é incrivelmente poderoso. Numa luta arrasadora e prolongada, se ele conseguir ser atingido pelo martelo, isso pode fazer a diferença. Se alguma coisa dá vantagem ao Thor, é a magia. Se alguma coisa dá vantagem ao Super, provavelmente é sua velocidade e inteligência. Mas sou tendencioso, Escrevi o Thor. Acho que ele venceria”.

Louise discordou de seu marido:

“Tá legal, veja o que está escrito no martelo ‘se você for digno...’. Acho que ninguém é mais digno que o Super-homem. Ele pegaria o martelo e passaria a ter também o poder de Thor. E assim que fizesse isso, Thor não teria a menor chance”.

O impasse duraria até 2003, quando finalmente foi lançado o crossover JLA/Avengers, escrito por Kurt Busiek e desenhado por George Pérez. Em JLA/Avengers, Superman e Thor finalmente se enfrentam. O resultado? Superman vence. 

Superman derrotando Thor em JLA/Avengers

Desde então, muito se discute sobre este resultado. Aqueles que não concordam com o mesmo, alegam que a magia do Mjolnir deveria ter um efeito deletério imediato sobre o kryptoniano. Portanto, o âmago da discussão gira em torno da natureza da fraqueza do Superman à magia. Como discussão mais marginal, tem-se também a dúvida sobre quem seria mais forte, mais rápido, mais resistente. E em todas estas discussões, abundam coleções, verdadeiros dossiês de fatos e “feitos” já registrados nas HQ’s, que ora abonam uma posição, ora outra.

Com este texto, não pretendo dizer que este ou aquele deve vencer. Neste ponto, concordo inteiramente com Walt Simonson: entre personagens relativamente equiparados, tudo fica a critério do escritor. Na verdade, trata-se de um texto mais crítico, porque examina atentamente os pressupostos (errôneos) sobre os quais baseiam-se aqueles que julgam saber, com exatidão, quem deveria vencer.

Além disso, o tema tem especial importância porque o mesmo oferece-nos um excelente gancho para determinar melhor a natureza da vulnerabilidade do Superman à magia.


Por que colecionar “feitos” (ou elaborar “dossiês”) é insuficiente

Muitos discordam de Busiek. Mas o problema é que, ao discordarem, recorrem a argumentos que fortalecem, em lugar de enfraquecerem a autoridade de Busiek. Explico. Basicamente, aqueles que discordam de Busiek estão com isso a afirmar, explícita ou implicitamente, que Busiek fez uma má escolha de roteiro. Mas com base em que dizem isso? Com base em outras escolhas de roteiro. Eles rebatem uma escolha com outra escolha. Este é, aliás, o modus operandi dos fãs de quadrinhos que recorrem, de maneira acrítica, a infindáveis coleções de escolhas de roteiros de outros escritores. Em alguns fóruns de fãs de quadrinhos, estas cansativas e infindáveis coleções de fatos particulares tirados de quadrinhos já publicados são chamadas de “dossiês”.

Dossiês possuem sua serventia. Afinal, caso alguém queira opinar sobre “quem ganha de quem”, é preciso obter conhecimento sobre os personagens envolvidos, e este conhecimento é adquirido por meio da leitura das históricas em quadrinhos publicadas. Este conhecimento enciclopédico é, portanto, necessário. Mas, por si mesmo, é insuficiente. Quem se utiliza de dossiês como argumentos exclusivos, parte de um falso pressuposto: que as HQ’s são, por assim dizer, um mundo real. Mas elas não são reais. Elas são o produto da imaginação e interpretações de diferentes indivíduos, os escritores, e nem sempre aquilo que um escritor elabora como roteiro é produto de uma fria e consciente análise. Talvez este escritor conheça menos o personagem que está escrevendo do que aquele que agora lê o gibi.

Por isso, repito: embora seja necessário possuir um saber enciclopédico sobre o personagem a fim de conhecê-lo, no entanto isso não é suficiente. Além do conhecimento enciclopédico dos fatos particulares descritos nas HQ’s, é preciso possuir conhecimento conceitual, isto é, o leitor há de ser capaz de analisar conceitos, a começar pelo conceito do personagem em discussão. Se queremos saber se Thor vence Superman, então precisamos conhecer o conceito de Thor e o conceito de Superman, isto é, conhecer os atributos pertencentes a cada um dos mencionados personagens. Afinal, é através da análise de conceitos que o leitor poderá qualificar/desqualificar criticamente o trabalho de um escritor. Só podemos saber quando um escritor escreve bem o Superman quando conhecemos o conceito do Superman. E uma única história conceitualmente coerente vale mais do que muitas histórias incoerentes conceitualmente.

Já leitores que raciocinam à base de dossiês, à base de coleções de fatos particulares publicados em HQ’s,  são forçados a aceitar tudo aquilo que é posto pelo escritor. No mundo desta classe de leitores, o escritor é um deus. E se você acredita na divindade do escritor, sinto muito: você é um idiota. Além disso, os partidários dos dossiês recaem sobre um paradoxo: eles apelam a escolhas de roteiros para desqualificar UMA escolha de roteiro, sem perceberem que escolhas de roteiro tem todas elas o mesmo valor. Quando alguém alega, por exemplo, que Busiek errou ao fazer Superman vencer, que Busiek fez uma má escolha de roteiro, argumentando que, em sua análise, a partir de dossiês, o Thor venceria,  esquece-se que a análise se baseia em outras escolhas de roteiros1. Não saímos portanto do âmbito das “escolhas de roteiros”, e por isso não há razão para dizer que uma escolha é melhor que a outra. É como comparar escolher sorvete de chocolate e sorvete de morango e, partir disso, tentar decidir quem tem razão.


A essa altura alguém pode dizer: mas uma escolha de roteiro, quando recorrente, é superior a uma escolha isolada. Tem-se aqui uma evolução, sem dúvida; mas o fator quantitativo não deixa de ser problemático. Como se diz em teoria do conhecimento, do fato de que muitos cisnes sejam brancos não significa que todos são brancos. E de fato não são. 

Portanto, a mera coleção de fatos, o elemento quantitativo, embora já seja uma evolução em relação à coleção de fatos que só ocorrem vez ou outra (por exemplo: Thor usar super-velocidade), é secundário em relação ao qualitativo (que só pode ser determinado pela análise de conceitos). Talvez o fato descrito em um dossiê seja apenas um erro de um escritor desconcentrado, ou mal informado. Talvez a indústria esteja inundada de escritores desinformados. Isto é totalmente possível, de um ponto de vista de lógico.


Critérios para determinar, com precisão, os atributos de um super-herói: condição de fato e condição lógica

Para relacionar um determinado atributo a um personagem — por exemplo, a invulnerabilidade ao Superman — deve-se verificar se: a) se ele exibe este atributo em suas histórias; e b) se o atributo é coerente em si mesmo. Vamos chamar a exigência “a” de “condição de fato”, e “b”, de “condição lógica “. 

A invulnerabilidade é atributo do Superman porque em suas histórias ele exibe invulnerabilidade (condição de fato) e porque, além disso, não é contraditório ou absurdo julgar que um alienígena de Krypton seja invulnerável (condição lógica) – afinal, ele é um alienígena, um desconhecido produzido por nossa imaginação e que não encontra exemplo na experiência real, e por isso é possível conferir-lhe atributos fantásticos sem cometer absurdos.  Portanto, a invulnerabilidade faz parte do conceito de Superman, uma vez que não contradiz nem a condição de fato e nem a lógica.

Mas se atribuíssemos invulnerabilidade ao Batman, isso seria absurdo, pois em suas histórias o Batman não exibe este atributo (falta então a “condição de fato”). E se um escritor fizesse uma história em que uma bala ricocheteia no corpo do Batman? Imaginem um escritor muito mal informado, ou fanático pelo Batman, e que por isso decide que o homem-morcego é fisicamente tão perfeito que seus músculos adquiriram resistência a projeteis de arma de fogo. Ora, é fácil perceber que isto seria absurdo, pois estaria em desacordo com a condição lógica. Afinal, Batman é um homem comum, e homens comuns não ricocheteiam balas. Viola o conceito que conhecemos de seres humanos dotá-los de invulnerabilidade a armas de fogo. Portanto, a invulnerabilidade não faz parte do conceito de Batman e, por isso, se a DC publicasse uma história na qual Batman ricocheteia balas, esta história seria qualificada por qualquer leitor minimamente pensante como “imbecil” e, em seguida, gentilmente ignorada.

Outro exemplo: há uma história na qual Hulk destrói um asteroide descrito pelo escritor como maior do que a Terra. Muitos utilizam este fato para dizer que Hulk é fisicamente mais forte do que Thor, Superman, etc. O problema é que um asteroide superior em tamanho à Terra é uma ideia estapafúrdia, fisicamente impossível, uma vez que, qualquer corpo celeste cuja massa é equiparável à de um planeta seria ele mesmo um planeta, e não mais um asteroide. Sua força gravitacional (que é proporcional à sua massa) faria com que o mesmo tomasse uma forma esférica, cujos movimentos no espaço seriam então descritos como a de uma órbita de planetas. Logo, além deste corpo celeste tomar forma esférica, ele também estaria impedido de viajar solto por aí, invadindo órbitas de outros planetas. Por consequência disso, é tolice levar em consideração uma história na qual Hulk destruiu um asteroide maior que a Terra, pois esta ideia não passa no teste da condição lógica. Um asteroide maior que a Terra é uma ideia intrinsecamente incoerente. O escritor pode desconhecer princípios básicos da Física, mas isso não significa que o leitor precise seguir seu exemplo.

 

Hulk destruindo um asteroide maior do que a Terra... como se isso fizesse algum sentido

Com isso podemos perceber que encontramos a “condição de fato” a partir da leitura das HQ’s publicadas. Mas a compreensão mais importante, e também mais interessante, é aquela que reconhece a condição lógica, pois é ela que nos mune de uma compreensão autônoma e crítica sobre um personagem. É por meio dela que podemos dizer “esta ideia é simplesmente tola e, embora tenha sido escrita e publicada, eu a rejeito”.


Superman e sua vulnerabilidade à magia

E a magia em relação ao Superman? Primeiramente, vamos fixar o que é fora de dúvida: Superman é vulnerável à magia. Isto está no conceito do personagem, vale dizer, está de acordo com a condição de fato e com a condição lógica (nos quadrinhos, Superman é mostrado como vulnerável à magia; e esta ideia não é incoerente em si mesma, pois é possível dizer, sem cair em autocontradição, “Superman é vulnerável à magia”).

O próximo e decisivo desafio é determinar a natureza desta vulnerabilidade. Existem duas posições: a) Superman é, por assim dizer, “alérgico” à magia, tal como à kryptonita; b) Superman é vulnerável à magia porque todo mundo é vulnerável à magia. Neste segundo caso, não se trata de uma fraqueza específica, mas de uma fraqueza compartilhado com todos os outros personagens. 

Agora vamos avaliar cada uma das posições.

A posição “a”, que afirma haver uma vulnerabilidade específica à magia, parece estar de acordo com a condição de fato. Vamos utilizar como exemplo um enfrentamento de Superman contra Shazam, em que o último derruba rapidamente o primeiro por força de um golpe "mágico" (ou pelo menos, essa é uma interpretação usual desta imagem): 


Mas a tese da alergia kryptoniana tem condição lógica? Será que há coerência em supor que kryptonianos, por serem kryptonianos, possuem uma espécie de alergia à magia tal como à radiação de kryptonita? De nossa parte, julgamos esta ideia incoerente em si mesma, portanto, ela não possui condição lógica. Pois Dizer que kryptonianos são alérgicos à magia é como dizer que a magia possui um efeito QUÍMICO específico sobre a FISIOLOGIA de uma raça alienígena específica. Isso seria como colocar a magia na classe dos fenômenos físicos cientificamente apreendidos. E magia, por definição, é uma quebra das leis físicas, é um transcender ou ultrapassar as leis físicas. Pois se não for isso, então ela está dentro dos limites das leis científicas, dos fatos da natureza e, por isso, deixaria de ser magia. “Magia” significa nada mais, nada menos, que “aquilo que não está sob leis naturais”. É um rompimento com os limites impostos pela realidade da matéria. Por isso, por exemplo, Zatanna pode tirar um coelhinho da cartola. Isso é uma quebra de uma lei natural, pois faz surgir algo a partir do nada (no mundo físico, nada pode surgir do nada; as coisas se transformam, mas não surgem do nada). Portanto, associar magia a “efeito químico específico sobre a fisiologia específica de entidade x” é uma contradição nos termos, é uma magia que não é magia, uma ideia logicamente incoerente em si mesma.


Mas e a posição “b”, segundo a qual a vulnerabilidade é universal, e por isso atinge também o Superman? Esta posição está de acordo com a condição de fato, e diga-se de passagem, parece-nos que em uma quantidade maior do que a tese anterior. Pensemos novamente nas batalhas entre Shazam e Superman. Na maioria destes conflitos, o raio mágico de Shazam machuca o Superman, mas não provoca “alergia” no mesmo. Os raios o afetam, mas não são mortais, como seria a kryptonita. (alguns exemplos disso podem ser vistos neste mesmo blog, quando abordei, anos atrás, várias batalhas entre Superman e Shazam) Na verdade, afetam-no como afetariam outros personagens se fossem atingidos. Seria ridículo se, por exemplo, a mulher-maravilha fosse  atingida em cheio pelo raio de Shazam, e em seguida aparecesse absolutamente incólume. Abaixo deixo um exemplo (e que acabei de encontrar) de Mulher-Maravilha esboçando sofrimento ao ser atingida por um raio mágico de Zeus. Se magia fosse uma fraqueza específica do Superman, isso significa que outros personagens seriam invulneráveis à magia. Mas como pode-se ver, a Mulher-Maravilha não é invulnerável à magia.

  
Outro exemplo: Hulk enfrentando Dr. Estranho. É possível ver que a magia de Estranho surte efeito altamente deletério sobre Hulk. Logo, Hulk não é invulnerável à magia. 


E a condição lógica? Creio que também há coerência com esta, e pelas razões já mostradas. Superman é vulnerável à magia, assim como qualquer outro personagem, porque a magia é uma quebra das leis físicas. Ora, os poderes do Superman se devem a leis pseudocientíficas (mas reais no contexto das HQ’s); e sendo a magia a quebra destas leis, então o Superman pode ser machucado por um golpe que quebra estas leis. E por isso, o mesmo pode ser dito sobre o Hulk, sobre o Gladiador, Hyperion, etc. Todos eles tiram seu poder de leis pseudocientíficas (mas verdadeiramente científicas no contexto das HQ’s). Logo, para sabermos como os golpes do Mjolnir afetariam o Superman, basta revermos como ele afetou outros heróis com rigor físico similar ao Superman que já foram enfrentados pelo Thor (Hulk, Gladiador, Hyperion, Nefária etc). Logo, o “Thor vs Superman” escrito por Busiek não é absurdo, mas está fundamentado em condições de fato e em condições lógicas. 

Conde Nefária - que não traz em seu conceito nenhum tipo de invulnerabilidade à magia - defende-se do golpe do Mjolnir com a palma da mão. O desfecho de Thor vs Superman em JLA/Avengers tinha um antecedente nesta história

Mesmo personagens cujos poderes têm origem mágica - como Shazam, Mulher-Maravilha, e o próprio Thor - também são vulneráveis à magia, uma vez que que um encanto mágico só poderia ser cancelado por outro encanto mágico explicitamente invocado para aquele fim, ou se aquele que fosse atacado se protegesse através de algum artefato mágico sobre o qual incidisse um encanto do tipo "proteção absoluta contra ataques mágicos de fulano", etc. Se, por exemplo, o Dr. Estranho fosse atingido pelo raio mágico de Shazam, talvez ele até morresse (sim, "talvez", pois não há porque presumir que um raio mágico teria o mesmo efeito que raios naturais sobre pessoas comuns), exceto se "cancelasse" o efeito do raio mágico por meio de algum encanto, antes que fosse atingido pelo mesmo.

Aliás, Busiek defende explicitamente a tese “b”, como podemos ver a partir de postagens em sua conta do Twitter:

 
               
 

 


Em suma: a hipótese “b” é superior à “a”, pois está de acordo com as condições de fato (e em um nível quantitativamente superior à “a”) e, acima de tudo, ela tem condição lógica, na medida em que anuncia uma ideia coerente em si mesma. 

Mas por que, então, é comum dizer “a magia é uma das fraquezas do Superman”, e incomum dizer “a magia é uma das fraquezas do Hulk (só para citar um exemplo)”? Creio que a explicação para isso seja a seguinte. Tradicionalmente, o Superman sempre foi reconhecido como um personagem completamente invulnerável. É assim que ele foi mostrado durante toda a Era de Prata dos super-heróis. Nestes termos, não se enumera os objetos contra os quais ele é resistente, mas enumera-se aqueles contra os quais ele não oferece resistência. Portanto, como a mais absoluta indestrutibilidade foi, durante muito tempo, atributo do Superman, então o jeito era explicitar aquilo que poderia machucá-lo, ou aquilo contra o qual seus poderes não surtiam os mesmos efeitos. 

Exemplo disso podemos encontrar no primeiro encontro entre Liga da Justiça e Sociedade da Justiça, ocorrido durante a Era de Prata, e que fora escrito por Gardner Fox (ver imagem abaixo). Em um dado momento, todos os heróis ficam presos em celas com jaulas mágicas. E, justamente por serem mágicas, Superman mostrou-se incapaz de quebrá-las. Porém, se isso fosse uma fraqueza específica dele, então outros “peso-pesados” deveriam ser capazes de quebrar as jaulas. Entretanto, nem Mulher-Maravilha, nem os Lanternas Verdes (Alan Scot e Hal Jordan), nem o Caçador de Marte, etc, são capazes de quebrar, por dentro, aquelas jaulas mágicas. Mas como a fama do Superman, principalmente durante a Era de Prata, sempre foi a de ser fisicamente insuperável, era necessário que o escritor deixasse claro porque também ele não era capaz de destruir as referidas grades. 


Resultado: Superman não é alérgico à magia, mas vulnerável à mesma tanto quanto qualquer outro personagem. 

Consequentemente, a partir destes argumentos, podemos dizer categoricamente que, se um escritor assume a tese “a”, ele está cometendo um erro.


Conclusão

Os acirrados debates sobre “quem vence quem” estão carregados de princípios e noções pressupostas não suficientemente esclarecidas. Em especial, os “dossiês” sempre denunciam este tipo de irreflexão entre aqueles leitores colecionadores de fatos inventados por outros seres humanos. É como se um fato inventado, imaginado, fosse real. Como esta suposição é ridícula, sugiro que, ao lado do conhecimento enciclopédico, faça-se também uso do conhecimento conceitual, crítico, pelo qual se possa julgar se o fato incluído no “dossiê” faz realmente sentido.

E é a partir deste raciocínio conceitual que desqualifiquei aqui a ideia de que magia provoca “alergia” no Superman, ou que se trata de uma fraqueza específica de kriptonianos. Superman é vulnerável à magia porque qualquer um é vulnerável à magia. Com base nisso, desqualifica-se também aquelas opiniões que supõem que um ou dois golpes do Mjolnir, ou a invocação de um raio, poderiam liquidar o Superman.

E por que qualquer um é vulnerável à magia? Porque "magia", por definição, é um rompimento das leis naturais. Portanto, "magia" é aquilo que não pode ser plenamente conhecido, e nem plenamente explicado. Justamente por isso, debates que envolvem personagens mágicos tendem a ser mais duradouros e polêmicos: porque em sua equação, há um termo "x" bastante indeterminado. É por isso que "Superman versus Thor" é um debate tão duradouro.

Entretanto, não estou com isso dizendo categoricamente que Superman derrota Thor, ou que sempre deveria derrotá-lo. Eu estou apenas dizendo que o Mjolnir não poderia ter sobre o Superman o efeito deletério que os admiradores do Thor supõem, uma vez que ele não possui este tipo de efeito sobre outros personagens fisicamente similares ao Superman. Thor ainda poderia derrotar a versão mais moderna, pós-Era de Prata, do Superman – esta mera possibilidade certamente existe, afinal, como Walt Simonson já disse, “tratando-se de personagens equiparados, a vitória fica à critério do escritor” – mas esta vitória não poderia ser facilmente alcançada a partir do ridículo pretexto de que kriptonianos são, por assim dizer, “alérgicos" à magia, tal como o são à kryptonita.



Notas


1 Este é um dos argumentos apresentados pelo apresentador do popular canal de Youtube “Ei Nerd” (https://www.youtube.com/watch?v=vzTE7uA7Xrw). Ele distingue “escolha de roteiro” e “análise”, e a partir disso julga que sua opinião é superior à de Busiek, uma vez que Busiek teria feito uma simples “escolha de roteiro” ao colocar o Superman na condição de vitorioso. Por outro lado, ele considera sua opinião superior porque formada a partir de uma “análise”, sem perceber que sua “análise” é apenas uma coleta de várias “escolhas de roteiro”. Em outras palavras, ele não conseguiu transcender as meras escolhas de roteiro. Ele está combatendo uma escolha de roteiro por meio de outras escolhas de roteiro.

Um comentário:

  1. Bom, eu sou fã do Thor, Superman e Capitão Marvel/Shazam, e pra mim essas batalhas qualquer resultado é possível, porque eles são super poderosos e capazes de vencer, mas depende do roteirista. Realmente o Superman é vulnerável à magia, quebrando sua resistência como faz com qualquer um. Não foi apenas Walt Simonson que disse que o Thor venceria o Superman no crossover, Dan Jurgens que já escreveu os dois, já disse em entrevista que o Superman é mais poderoso, mas que ele não venceria o Thor por ser um ser mágico. Aqui novamente vemos que depende do roteirista. Se analisarmos o JLA/Avengers a fundo veremos que Thor e Superman são equiparados e ambos podiam vencer, fica claro isso no crossover. No primeiro confronto na Terra-DC, o Thor acerta uma martelada no Superman que cai longe e perceptivelmente atordoado (final do Nº 1 e início do nº 2). Então, em seguida, "um momento atrás" o Homem de Aço e o Caçador de Marte atacam o Thor juntos, o que mostra que o Superman estava ainda se recobrando, e o Thor era uma ameaça séria. O Thor então repele o Marciano com um raio e ele é atacado pela Mulher Maravilha. Nota-se que o Deus do Trovão foi atacado pelos 3 mais poderosos membros da equipe que estavam ali. Até serem interrompidos pela Wanda (no início do nº 2). Depois, eles se enfrentam novamente na Terra Selvagem na Terra-Marvel. O Superman aprendeu que não deve subestimar o Mjolnir e esquiva do golpe, acertando um soco no Thor que revida. Superman acerta novamente e Thor revida mandando o Homem de Aço longe. Thor vai para cima porque está na vantagem magica, o Superman aproveita e acerta a visão de calor (que é um ataque poderoso em qualquer oponente diga-se de passagem). Thor continua avançando e golpeia o Superman (que tem supervelocidade), que contem o ataque com a mão. Nesse momento o Thor se distrai surpreso com o fato e o Superman é mais rápido e acerta um golpe certeiro levando Thor a nocaute (nesse ponto ambos estavam no limite e Thor se distraiu perdendo o foco). Então os heróis mais poderosos da Marvel atacam o Superman violentamente (Mulher Hulk, Hércules, Homem de Ferro, Visão e Magnum) levando-o a nocaute. O que podemos notar em tudo isso? No início Thor acerta o Superman deixando ele atordoado momentaneamente e é atacado pelos membros mais poderosos da Liga da Justiça e o mesmo acontece com o Superman, que atordoa o Thor e é atacado pelos membros mais poderosos dos Vingadores. Foi tipo 1 x 1 a meu ver, um empate técnico. Infelizmente os fanboys não enxergam isso, não entendem ou não querem ver. O Superman já venceu seres similares ao Thor na DC e o Thor já venceu seres similares ao Superman na Marvel. E não foi apenas Busiek, foi todo o time de ambas as editoras que decidiram que o Superman venceria a batalha contra o Thor. O Superman fala que o Thor pode ser o oponente mais difícil que ele enfrentou (embora ele já disse o mesmo do Hulk), depois o Thor conversando com o Aquaman diz que outro confronto entre eles, ele surpreenderia o kriptoniano (nº 4). O mais interessante de tudo isso, é o Superman admitindo que ele venceu o Thor por pouco (na edição original em inglês nº 3, a frase foi omitida pela Panini). Eu concordo contigo, não tem como discutir roteiro decidido, mas apenas analisar os fatos da edição em questão.

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