quarta-feira, 25 de julho de 2018

Jean-Luc Picard e sua falsa noção de justiça




Após assistir ao sétimo episódio da 1º temporada de Star Trek - A nova geração (intitulado “Justice”), ganhei mais motivos para ficar ao lado de Kirk no clássico debate sobre quem foi o melhor capitão da Enterprise - se o icônico capitão interpretado por William Shatner ou o (talvez) igualmente icônico capitão Jean-Luc Picard (1). E o motivo é que, a julgar pelo citado episódio, o personagem interpretado por Patrick Stewart parece sustentar algumas falsas noções sobre o significado de justiça. 

Mas antes de esclarecer esta assertiva, convém descrever os pontos fundamentais do episódio em questão, pois é no contexto deste que Picard comete uma grave falha.

Em “justice”, o capitão Picard e sua tripulação encontram um planeta paradisíaco, com habitantes extremamente pacíficos, saudáveis e belos, dedicados apenas ao lazer e ao hedonismo. Mas todo paraíso tem seu lado sórdido - e esta parece ser uma mensagem constante em Star Trek. Pois esta comunidade aparentemente maravilhosa é sustentada pela aplicação de uma lei extremamente severa: a pena de morte para qualquer delito, mesmo o mais insignificante. Porém, ninguém da Enterprise foi avisado sobre isso. Então quando o jovem Wesley Crusher cai acidentalmente sobre as flores de um jardim (o que constitui uma infração neste mundo), ele é imediatamente sentenciado à morte. Para completar, este "paraíso" ainda é vigiado e protegido por uma entidade alienígena extremamente poderosa, chamada de “deus” por seus habitantes (2).

Diante desta circunstância, o capitão Picard se vê em uma difícil situação: se salvar Wesley, ele colocará a vida de toda a tripulação em risco, pois isso enfureceria o “deus” do planeta paradisíaco; mas se ele não salvar o garoto, então o mesmo será vítima de uma terrível injustiça. 

O androide Data chega a sugerir a opção utilitarista a Picard: “o senhor escolheria salvar uma vida ao invés de outras mil?”. A isto, Picard responde brilhantemente: “eu me recuso a deixar que a aritmética decida questões assim” (3).

No fim das contas, Picard resolve salvar Wesley, e com isso desafiar as leis do planeta paradisíaco e enfurecer seu “deus”. Quando este começa a demonstrar seus primeiros sinais de fúria, Picard resolve dialogar, numa tentativa desesperada de apelar ao bom senso da entidade:

- A questão da justiça tem me preocupado muito ultimamente. E digo a qualquer criatura que possa estar me ouvindo, que não pode haver justiça enquanto as leis forem absolutas. Até a própria vida é uma prática de exceções.

Poucos poderiam dizer pior. O que Picard não parece entender (claro, claro... não exatamente Picard, mas o escritor do episódio) é que aquilo que escandaliza nossos sentimentos morais não é o fato de que o garoto Wesley Crusher não é perdoado pelos habitantes daquele planeta, para assim constituir uma exceção à regra, mas o que escandaliza é a regra em si. Condenar alguém à morte porque pisou acidentalmente em um jardim é simplesmente absurdo, e parece contradizer os sentimentos morais de qualquer indivíduo minimamente inteligente. Garanto que, se o condenado fosse um habitante do planeta paradisíaco em vez de Crusher, o telespectador se sentiria igualmente inconformado.

Mas para Picard, a justiça consiste na obediência a regras escritas, desde que as mesmas permitam certas exceções. O importante é que a justiça das leis escritas não seja absoluta! Pois eu digo que essa é a justiça dos tiranos. Afinal, quem decidirá sobre as exceções às regras? Aqueles que detêm o poder, é claro. E quem serão os privilegiados, aqueles que constituirão estas exceções? Certamente aqueles que detêm o poder e seus amigos mais próximos. Ou a justiça é a mesma para todos, ou não há justiça (4). Qual o mérito de salvar Wesley Crusher, enquanto outros seres igualmente sensíveis e inteligentes continuam a poder morrer sob estas mesmas circunstâncias tão esdrúxulas?

Não estou dizendo com isso que a igualdade diante da lei seja o único elemento ético que define a justiça. A igualdade formal é aqui um fator necessário, mas não suficiente. Pois além disso, devemos acrescentar que a ideia de Justiça comporta proporcionalidade, isto é, deve haver um certo equilíbrio entre crime e castigo, e é justamente a ausência desta proporcionalidade que torna tão injusta a pena aplicada a Wesley Crusher.

Portanto, acredito que Picard falhou miseravelmente em seu discurso de defesa. Ele não deveria ter implorado para que um membro de sua tripulação constituísse uma exceção à regra (uma regra que matou e continuará a matar muitos outros), o que é vergonhoso. Ele deveria ter exposto a ideia universal de Justiça, que requer proporção ou equilíbrio entre crime e punição, e que há de ser a base de todas as leis positivas, pois do contrário estas últimas degeneram em mera injustiça institucionalizada. Mas a grandiosidade de Picard como capitão parece estar na proporção inversa de suas capacidades para a advocacia. 

De qualquer forma, no final Wesley é absolvido pelo poderoso alienígena guardião daquele paraíso de inúteis. Mas considerando o péssimo nível do discurso de defesa de Picard, acredito que a absolvição se deu por benevolência, e não por convencimento racional. Afinal, embora não fosse Deus, a tal entidade alienígena super poderosa certamente queria se parecer com Ele...







NOTAS

(1) Embora eu tenha carinho e admiração por Picard, devo admitir que, em minha opinião, poucos personagens fictícios modernos conseguem representar, como o capitão James T. Kirk interpretado por William Shatner, aquele que é o mais excelso ideal de formação humana, e que se destina a tornar o indivíduo "constituído de modo correto e sem falha, nas mãos, nos pés e no espírito" (JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. 5. ed. 2010, p. 13), ou simplesmente a prepará-lo "para ambas as coisas: proferir palavras e realizar ações" (JAEGER, op.cit., p. 30. O trecho é tirado da Ilíada, canto IX, verso 443). Em meu modo de avaliar, o James T. Kirk de William Shatner é um destes poucos epítomes do perfeito equilíbrio entre a inteligência e a ação, da perfeita união entre virtudes físicas e espirituais (que se subdividem em morais e intelectuais). Comparado a esta versão do capitão Kirk, o capitão Picard sempre me pareceu mais unilateral, rivalizando com Kirk apenas no quesito intelectual. Como homem de ação, Picard é inteiramente subjugado por Kirk. 


(2) E esta parece ser uma outra constante em Star Trek: a tendência em confundir Deus com máquinas avançadas ou alienígenas poderosos. Esta insistência em sempre explicar o metafísico pelo simples físico é um dos traços que mais me desagradam em Star Trek, e neste ponto (e talvez apenas neste), Star Wars mostra-se superior, ao menos em minha opinião.


(3) Aliás, aqui Picard ganhou alguns pontos em relação ao meu favorito Kirk, que em “A ira de Khan” pareceu pactuar com aquele utilitarismo grosseiro de Spock, quando este disse (sempre com seu pedante ar de sabedoria) que “o interesse de muitos se sobrepõe ao interesse de poucos”. Ora, para perceber que semelhante regra, considerada em si, não tem qualquer valor moral, basta nos perguntarmos: e se este interesse de muitos for um interesse sórdido, cruel, desumano? Mesmo nestes termos, ele deverá ter prevalência sobre o interesse justo, ainda que de poucos? Óbvio que não. Logo, o critério de decisão moral não pode ser o número de interessados, mas a natureza do interesse. E para sabermos que tipo de natureza possui o interesse (se é bom ou mau), então devemos escolher um princípio moral que funcionará como critério de escolha, princípio este que não pode ser definido em termos aritméticos, sob pena de cairmos em um círculo vicioso. Afinal, acabamos de provar que o número de interessados não oferece qualquer critério seguro de julgamento moral. A democracia pode ter seu valor enquanto processo de escolhas políticas, mas não enquanto mecanismo de definição de princípios morais (aliás, neste assunto toda forma de governo é insuficiente). O sábio capitão Kirk, que sempre soube equilibrar sua racionalidade e seu coração (diferentemente do seu  arrogante amigo vulcano metido a guru) deveria saber disso. 
Esta falha de Kirk parece ter sido corrigida no filme "Em busca de Spock". Já ao final, quando Spock é resgatado, este questiona a Kirk o motivo de ele ter se arriscado tanto para salvá-lo. Kirk responde, invertendo a máxima proferida por Spock na conclusão de "A ira de Khan": "porque as necessidades de um se sobrepõem às necessidades de muitos". Com isso demonstra-se que o critério não pode ser aritmético, quantitativo, conforme pensava Spock. O critério há de ser qualitativo, tendo em conta a própria natureza dos interesses ou necessidades em questão, e não o número de necessitados ou interessados. Portanto, a depender da natureza do interesse/necessidade, tanto a maioria quanto um único indivíduo podem adquirir a prevalência moral. 
Por isso, seria tão correto dizer que "as necessidades de muitos se sobrepõem às necessidades de poucos, ou de um só", quanto dizer "as necessidades de um se sobrepõem às necessidades de muitos". Tais sentenças não são verdadeiras máximas, mas apenas regras particulares igualmente válidas a depender das circunstâncias. Elas pressupõem a definição do valor das necessidades às quais se referem. Esta definição, por sua vez, há de ser feita a partir de algum verdadeiro princípio moral, como por exemplo a fórmula do imperativo categórico de Kant.

(4) Kirk sabia disso. Vide seu discurso na conclusão do episódio “The Omega glory”.

sábado, 7 de julho de 2018

Morre Steve Ditko, criador do Mr. A e do Homem-Aranha



Ontem foi noticiada a morte de Steve Ditko, amplamente conhecido por criar, junto a Stan Lee, o Homem-Aranha. O desenhista/escritor contava com 90 anos, e se caracterizava por possuir uma postura bastante reservada, além de ser quadrinista excepcional.

Mas Ditko possuía uma outra qualidade e que estimo muito, tornando-o um dos meus artistas favoritos: seu comprometimento com o absolutismo moral, isto é, com a ideia de que entre Bem e Mal não há elementos intermediários, e que aqueles que buscam a mistura ou relativização daqueles dois elementos contribuem apenas para a destruição do primeiro e enaltecimento do segundo. Assim como uma meia verdade não passa de mentira, o relativismo moral não passa de ofuscamento do Bem e consequente afirmação do Mal.

Tais ideias encontram acolhimento em qualquer mente estruturada dentro de padrões minimamente lógicos. Mas também ganharam forte expressão por meio da filosofia objetivista da filósofa Ayn Rand, cujas ideias compunham o centro em torno do qual gravitavam as aventuras daquela que considero a melhor criação de Steve Ditko: o Mr. A.

Os quadrinhos do Mr. A foram extremamente inovadores, mesmo para qualquer padrão atual, e por isso permanecem relativamente desconhecidos até hoje. Aqui, pela primeira vez (e até onde sei, pela última), vemos o herói de quadrinhos lutar pelo bem não de maneira intuitiva, mas de forma plenamente consciente a partir de princípios morais rigorosamente expostos em seus diálogos. Ao Mr. A não interessava apenas lutar contra o mal: era necessário explicar detalhadamente por que ele o fazia.

Portanto, os quadrinhos de Mr. A não eram destinados apenas a mero entretenimento. Eram verdadeiras aulas filosóficas sobre Ética. Por isso, os diálogos apresentavam sempre uma rigorosa lógica interna, pelos quais Ditko esperava demonstrar, mediante detalhadas explicações e monólogos, a necessidade de distinguir entre o Bem e o Mal, e, consequentemente, de conservar o primeiro e de se opor ao último. Creio que este seja o motivo mais evidente pelo qual o Mr. A nunca se popularizou. Ele pressupõe leitores com cérebro.


Neste texto estão expostos algumas das principais características do Mr. A de Ditko. 1) A demonstração de que princípios morais estão subordinados a princípios lógicos. De certa forma, todas as verdades pressupõem o princípio lógico da identidade. Pois assim como A é igual a A e, portanto, diferente de B, então A não pode ser A e B ao mesmo tempo. Do mesmo modo, o Bem é diferente do Mal, e por isso não pode haver algo que seja bom e mau ao mesmo tempo. Com isso, repudia-se o relativismo moral. 2) É dito que a prática do mal só conduz o indivíduo à autodestruição. Isto é uma referência direta a uma das premissas da filosofia moral de Ayn Rand, segundo a qual a Ética não é um capricho, mas uma necessidade vital. Consequentemente, a ação imoral é sempre uma agressão imediata ou mediata à vida, inclusive daquele que crê se beneficiar da própria imoralidade. A longo prazo, o criminoso sempre coloca sua própria vida em risco.


Mas ainda há um segundo motivo. Já vi em alguns sites estrangeiros certos sabichões cheios de amor no coração demonstrarem horror diante do rigorismo do Mr. A, taxando-o inclusive de "psicopata". Não vejo as coisas desta forma. De fato, Mr. A exibia pouca piedade para com criminosos. Mas sua violência sempre se mantinha dentro dos limites da justiça retributiva. Ele somente devolvia a morte àqueles que já haviam oferecido-a gratuitamente às suas vítimas. Para Mr. A, qualquer outra postura fugiria à relação de proporcionalidade(1) intrínseca à justiça retributiva e, portanto, seria injusta.

Por outro lado, se alguém ainda tem problemas com a justiça retributiva e seu senso interno de proporcionalidade, a este alguém devemos lembrar que a justiça é uma virtude e, como tal, pressupõe certa força e firmeza em sua aplicação. De fato, a palavra “virtude” é composta por “vir” em seu radical, que em latim significa “varão”, o que revela seu originário sentido de força e rigor. Ser justo não é tarefa fácil, e por isso a virtude da justiça dificilmente encontra acolhimento em corações melindrosos. Em todo caso, arrisco dizer que mesmo os portadores de semelhantes corações jamais aceitariam trocar seu ouro pelo cobre de alguém. Mesmo os melindrosos afirmam a justiça retributiva nas pequenas coisas. Falta-lhes apenas o rigor necessário para afirmá-la nas grandes coisas.

Poderíamos criticar Mr. A por ele ser alguém que faz justiça com as próprias mãos. Já tratei deste assunto neste mesmo blog meses atrás, quando escrevi sobre a rivalidade entre Justiceiro e Demolidor. E naquela oportunidade busquei demonstrar que este problema só pode ser decidido por meio da avaliação cuidadosa de circunstâncias empíricas. Em um mundo onde há Estado organizado, o justiça pelas próprias mãos é certamente condenável; mas em um mundo sem Estado (ou onde há um Estado apenas formalmente organizado, mas omisso na prática), então não haveria como condenar semelhante atitude.

Em todo caso, acredito que este dilema não seja o ponto central de Mr. A, cujas histórias são sobre Ética, e não sobre Política. O foco não é oferecer um modelo de sociedade organizada, mas um modelo individual, e ao mesmo tempo coerente e, portanto, universal, de julgamento moral.

Portanto, o ponto central é o combate ao relativismo moral, à tendência tão contemporânea de neutralizar as fronteiras entre o Bem e o Mal, o que serve apenas para desacreditar o primeiro e afirmar o segundo, conforme já dito. Acima de tudo, é uma crítica à nossa tendência pessoal de fugirmos de nosso dever de adotar aquelas posições e princípios admitidos pela lógica e pela razão, mas que muitas vezes parecem árduos diante das exigências idiossincráticas de nossas confusas e débeis emoções. 

Afinal, no mundo há o Bem e o Mal, e ambos se distinguem entre si. Além disso, é preciso escolher entre ambos. Este é um dado da realidade que não pode ser negado, e por isso tentar misturá-los como um meio de fugir daquela escolha equivale a fugir da realidade. 

Obrigado por nos apresentar estas lições, Steve Ditko. Não sei se você acreditava em Deus. Mas eu acredito, e por isso espero que você esteja com Ele neste momento.

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Notas



(1) Não levo em conta aqui as complicadas explicações aristotélicas, expostas em “Ética a Nicômaco”, sobre as diferenças entre igualdade e proporcionalidade. Tomo este último termo em sentido lato para me referir a toda relação de troca de valores na qual prevalece equilíbrio entre aquilo que é dado, e aquilo que é recebido. Além disso, pessoalmente considero que toda proporcionalidade guarda sempre uma igualdade, embora não literal. Assim, se troco um livro, por uma quantia de R$ 80,00, esta troca não se dá dentro de uma igualdade literal (que assim seria se fosse uma troca de um livro por outro livro, de preferência idêntico), mas dentro de uma igualdade proporcional (supondo, é claro, que o valor do livro seja mais ou menos de R$ 80,00 segundo padrões estabelecidos pelo mercado). 

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Comentários sobre o texto "o mito do Superman", de Umberto Eco






Em sua coleção de ensaios intitulada Apocalípticos e Integrados (1964), o livre pensador italiano Umberto Eco escreve sobre a “cultura de massa” e uma de suas expressões literárias mais populares: as histórias em quadrinhos. Analisando de modo bastante geral as ideias de Eco, pode-se dizer que as histórias em quadrinhos estariam repletas de conformismo com o status quo, e por isso seus leitores – típicos consumidores formados pelos parâmetros impostos pela “indústria cultural” (impossível não notar aqui forte influência da “escola de Frankfurt”) – fariam parte do grupo de “integrados”, pessoas que veem com bons olhos os produtos da cultura de massa, mais receptivos a seus símbolos e resultados, e por isso pouco inclinados ao dissenso. Do outro lado, temos os “apocalípticos”, críticos severos desta mesma cultura de massa, a qual analisam sob uma perspectiva profundamente escatológica, e por isso consideram-na a morte da verdadeira cultura. O Superman insere-se como um personagem de forte expressão arquetípica no contexto da cultura de massa. Em grande medida, ele é tomado por Eco como o grande herói da cultura de massa, e por isso torna-se digno das análises do famoso escritor italiano. Analisando o mito do Superman, Eco espera desvendar algumas das principais estruturas ideológicas que se colocam na base desta cultura de massa, estruturas estas que tanto podem ser o resultado de processos inconscientes quanto de objetivos inconfessos, mas muito bem planejados.

E quais seriam as teses principais de Eco sobre o mito do Superman?

Destacarei sua tese mais política sobre o Superman, e que já foi em parte expressa nas primeiras linhas deste texto. Logo no prefácio da obra, Eco escreve que o Superman, típico herói da cultura de massa, “usa das suas vertiginosas possibilidades operativas para realizar um ideal de absoluta passividade, renunciando a todo projeto que não tenha sido previamente homologado pelos cadastros do bom senso oficial, tornando-se o exemplo da proba consciência ética desprovida de toda dimensão política: o Superman jamais estacionará seu carro em local proibido, e nunca fará uma revolução” (p. 10). Logo, Eco busca contrastar no Superman suas incríveis habilidades físicas e suas modestas (na verdade, inexistentes) ambições políticas. Com isso, Superman realiza um ideal de passividade política, que vem ao encontro dos interesses daqueles que não desejam perder seu poder. É por isso que mais adiante, já no capítulo quase exclusivamente dedicado ao Superman, Eco questiona se o Superman não é, na verdade, um instrumento pedagógico de “heterodireção”, isto é, um mecanismo simbólico que existe para impor sutilmente ao inocente leitor um conjunto de ideologias. Segundo Eco, o Superman é produzido para ser consumido por homens “heterodirigidos”, isto é, “homens a quem constantemente se sugere o que deve desejar e como obtê-lo” (p. 261). Em suma, o Superman é instrumento de manipulação, e seus leitores, são pessoas manipuláveis. Ao que parece, este processo de manipulação se dá em dois níveis. Vale lembrar que o ensaio fora escrito na década de 60. Portanto, o Superman analisado por Eco é aquele da chamada Era de Prata dos quadrinhos.

1. Seria o Superman um destruidor de consciências?

Em um nível, Eco apresenta a tese de que o Superman, em função da estrutura de suas narrativas, contribui para a destruição gradual do senso de responsabilidade pessoal de seu leitor. Ok, vou explicar. Eco, baseado na filosofia de gente como Husserl, Sartre e Heidegger, sustenta que nossa consciência interna de nossa própria responsabilidade pessoal depende da consciência que temos de nossa própria temporalidade. Citando Husserl, Eco escreve que “minha temporalidade é minha liberdade” (p. 255), e depois conclui que “perdendo a consciência” do tempo, esquece-se dos problemas que no tempo se baseiam, “isto é, a existência de uma liberdade, da liberdade de fazer projetos, do dever de fazê-los, da dor que esse projetar comporta, da responsabilidade que dele provém” (p. 261). Em suma, só nos consideramos responsáveis em função daquilo que realizamos e que devemos realizar, e estas realizações projetam-se no tempo (como algo que já fora feito mas, principalmente, como algo que há de ser realizado). Somente na medida em que me coloco na temporalidade, é que sinto a angústia do dever de ter de realizar, bem como a esperança de redimir meu próprio ato já realizado, no passado. E assim, nas palavras de Husserl, “o passado me determina, (...) mas o futuro, por sua vez, ‘liberta o passado’” (p. 255). Portanto, em função do futuro – do que ainda há de ser realizado – nenhum fato passado impõe uma determinação completa sobre meu ser. Portanto, liberdade e existência temporal são noções indissociáveis.

Mas como a criação de Siegel e Shuster se encaixa em toda esta confusão filosófica? Ou pior: como o Superman estaria a serviço da destruição de tudo isso? Resposta: segundo Eco, a estrutura narrativa das histórias do Superman não é linear, e por isso não obedece a qualquer padrão de “consumo” do personagem: o Superman não envelhece, não se casa, não tem filhos, não muda de emprego, etc. Enfim, não se realiza nele nenhum daqueles fatos biográficos que expressam a temporalidade de qualquer biografia verdadeiramente humana. É como se o Superman não estivesse no tempo. E consequentemente, “o Superman só se sustenta como mito se o leitor perder o controle das relações temporais e renunciar a raciocinar com base nelas, abandonando-se, assim, ao fluxo incontrolável das estórias que lhe são contadas e mantendo-se na ilusão de um contínuo presente” (p. 260). Isto é: na visão de Eco, é como se o Superman - o herói não só invulnerável a balas de revólver, mas também à ação do tempo – retirasse do leitor a consciência de sua própria temporalidade, numa espécie de efeito hipnótico, na medida em que o segundo permite-se absorver na dimensão atemporal na qual vive o primeiro.

Porém, eu discordo inteiramente de Eco. Acredito que o ilustre escritor esteja sendo “apocalíptico” demais em suas análises. Se atentarmos para sua tese, veremos que ela se sustenta sobre uma premissa básica: a ideia de que liberdade/senso de responsabilidade e temporalidade estão profundamente ligadas, e de tal modo, que a primeira só pode ser pensada pela segunda. Ora, isso não parece inteiramente correto. Antes, é perfeitamente possível postular justamente a tese contrária, isto é, que de nosso senso interno de responsabilidade pressupõe uma consciência ainda mais profunda de que, em última instância, não somos seres meramente temporais (embora nossa existência se expresse temporalmente). Explico.

Segundo o filósofo Arthur Schopenhauer, a liberdade se opõe à ideia de causalidade, pois esta última impõe uma relação necessária – isto é, uma relação impossível de ser alterada ou manipulada – entre causa e efeito: tão logo se apresente uma causa, o efeito se seguirá dela necessariamente. O efeito não decide, não escolhe. E tão pouco a causa, que é nada além de um efeito de uma causa anterior, e assim sucessivamente, ao infinito... Pois bem: uma sucessão de causa e efeitos só se dá no tempo. Na verdade, jamais perceberíamos o tempo, não fosse nossa percepção das mudanças, e mudanças só se realizam pela relação de causa e efeito (por exemplo: eu percebo a passagem do tempo ao notar o movimento do ponteiro do relógio, o qual se movimenta devido a um mecanismo coordenado segundo relações de causa e efeito). Logo, se eu percebesse a mim mesmo como um ser meramente temporal, então eu me colocaria em uma relação causal, a qual se dá segundo relações necessárias, as quais não admitem poder de escolha, mas apenas uma sucessão de fatos segundo leis inexoráveis. Logo, temporalidade não é liberdade, mas ausência dela. Mas de onde vem meu inegável senso de responsabilidade pessoal por minhas ações? Segundo Schopenhauer, ao lado de nossa dimensão temporal, somos possuidores de uma dimensão atemporal, que não podemos julgar segundo padrões temporais. Esta dimensão atemporal seria precisamente nosso caráter, expressão máxima de nossa vontade. Minhas ações podem ocorrer no tempo, mas o fundamento de minhas ações, meu caráter, não. Minhas ações decorrem daquilo que sou, e aquilo que sou, embora se expresse no tempo, no entanto não tira deste seu fundamento. Não há uma razão suficiente pela qual eu posso explicar aquilo que sou. A constituição volitiva de cada um (o caráter) é um ponto terminal de qualquer explicação, para além da qual o intelecto simplesmente não consegue avançar através de seus esquemas causais de explicação. É por isso que, não importa o quanto sociólogos, psicólogos, psiquiatras, geneticistas e antropólogos se esforcem, nenhum deles consegue explicar satisfatoriamente por que cada ser humano é tal como é. Podemos deduzir que um homem egoísta terá atitudes egoístas ao longo de sua vida; mas não conseguimos concluir satisfatoriamente por que tal homem é, afinal de contas, egoísta. Um sociólogo poderia dizer que o egoísmo do indivíduo em questão é devido, por exemplo, a uma sociedade de consumo. Mas bastaria pouco esforço para demonstrar a existência de muitos outros indivíduos que, submetidos à mesma sociedade de consumo, demonstram possuir um caráter inclinado ao altruísmo. Logo, as circunstâncias externas, longe de determinarem a essência de cada um, parecem apenas oportunizar a cada um que expresse sua própria essência, em si independente, de origem misteriosa, e por isso atemporal. Logo, a associação entre temporalidade e liberdade (a raiz da responsabilidade) não é nem um pouco necessária, mas não passa de uma opinião defendida por Sartre, Husserl, Heidegger, e Eco. Logo, a narrativa atemporal das aventuras do Superman pode ser inocentada da terrível acusação de estar a serviço de um plano maligno: o de destruir o senso de responsabilidade pessoal de seus leitores.

2. Superman, o sabotador de ambições político-revolucionárias 

Em um segundo nível, o Superman é apresentado como um símbolo de rejeição de qualquer projeto revolucionário em política. Já citei acima um trecho segundo o qual o Superman inspira  “um ideal de absoluta passividade (política)”,  e assim “tornando-se o exemplo da proba consciência ética desprovida de toda dimensão política: o Superman jamais estacionará seu carro em local proibido, e nunca fará uma revolução”. Mais adiante, Eco enfatiza este aspecto de “passividade política”. Assim, analisando a expressão do “mal” combatido incansavelmente pelo Superman em suas aventuras, percebe-se que este mal normalmente apresenta-se apenas como “atentado à propriedade privada” (p. 276): o Superman se opõe, quase que exclusivamente, a ladrões, homens perversos pertencentes ao submundo do crime. Por outro lado, Eco cita exemplos de ações beneficentes organizadas pelo Superman, com o objetivo de ajudar órfãos e indigentes. E com isso conclui que “assim como o mal assume o aspecto único de ofensa à propriedade privada, o bem  configura-se apenas como caridade” (p. 277). Fácil perceber que Eco, sob um olhar extremamente crítico, vê o Superman como o defensor metafórico de toda sociedade organizada em sua economia segundo princípios do liberalismo clássico. E Eco contra-ataca esta postura do Superman: “o Superman é praticamente onipotente (...). sua capacidade operativa se estende em uma escala cósmica. Ora, um ser dotado de tais capacidades, teria diante de si um largo campo de ação. De um homem que pode produzir trabalho e riqueza em dimensões astronômicas ao fim de poucos segundos, poderíamos esperar as mais estonteantes revoluções da ordem política, econômica, tecnológica do mundo” (p. 275). Isto é: o Superman poderia ser o Super-Fidel Castro, mas infelizmente, continua apenas a ser o Superman.

Mas aqui ouso afirmar que, por trás da aparente inocência dos escritores da Era de Prata (devemos lembrar que este trabalho de Eco fora publicado em 1964), havia talvez uma certa sapiência política, atuante em um nível quase inconsciente, porque simplesmente desenvolvida, de forma instintiva, no contexto dos costumes de uma sociedade que construiu sua história em torno do pessimismo em relação ao homem público dotado de imensos poderes políticos, e otimismo em relação ao homem privado ligado à sua comunidade por laços construídos espontaneamente.

Anos mais tarde, seriam apresentadas a nós histórias em que o Superman é colocado em posição de resolver as questões suscitadas por Eco, e os resultados seriam insatisfatórios. Temos, por exemplo, a graphic novel “Paz na Terra”, de Paul Dini e Alex Ross, onde o Superman decide usar seus poderes para acabar com a fome. O resultado decepciona profundamente o Homem de Aço: este conclui que enquanto persistir o egoísmo e a indiferença no coração humano, qualquer esforço de acabar com a miséria será inútil. Isto é, o Superman conclui que o problema humano não é econômico, mas moral. Somente uma reforma interior poderia sanar a humanidade. E esta reforma interior não pode ser operada nem mesmo por um Super-homem, mas apenas por cada indivíduo humano, em seu confronto existencial consigo mesmo. Em outras histórias, um Superman “alternativo” (existente em alguma realidade “paralela”) é mostrado mais ao gosto de Eco. Em “Injustice: gods among us”, o Superman decide ser o ditador do mundo, para finalmente destruir, mediante ação (e violência) política, todos os males do mundo. Em "Superman: red son", o escritor Mark Millar mostra-nos o que possivelmente aconteceria ao Superman se sua nave, vinda de Krypton, tivesse pousado em uma fazenda coletiva da Ucrânia durante a vigência da União Soviética; em outras palavras, o que aconteceria se Superman fosse educado sob a doutrina comunista, em lugar de ser educado por um casal de fazendeiros do Kansas politicamente despretensiosos. O resultado é bastante interessante. Kal-El ainda conserva seu caráter puro e boas intenções; afinal, estas são qualidades inatas. O temperamento e o caráter são inatos, mas o intelecto é socialmente construído. Com sua inteligência preenchida pela ideologia comunista, Superman acredita que tem o dever de não somente proteger a vida de pessoas inocentes diante de perigos iminentes, mas, principalmente, seu dever é o de eliminar todas as carências materiais do mundo e, para isso, suas boas intenções gradualmente se tornam em premissas de decisões inescrupulosas e ditatoriais. O Superman comunista de Millar é um monstruoso paradoxo: tão moralmente puro quanto politicamente cruel. "Superman: red son" é a expressão fictícia das teses defendidas por pensadores como Hayek há quase 8 décadas atrás, e amplamente confirmadas pela experiência humana nos anos seguintes: o político, para consertar o mundo os problemas materiais do mundo, precisa se intrometer em todas as esferas da vida humana; a ao fazê-lo, elimina toda a liberdade, desencadeando uma miséria moral muito mais intensa do que a miséria material existente sob o status quo que ele então buscou destruir. 

No fim das contas, o apocalíptico e intelectualizado Eco estava sendo politicamente ingênuo ao sugerir que o Superman fosse tão politizado. Por outro lado, os modestos escritores do Superman e seus leitores “heterodirigidos”, estes pobres consumidores de produtos de cultura de massa e “integrados” à mesma, estavam afinal com a razão ao contentar-se com as atitudes heroicas e ao mesmo tempo tão modestas de um personagem dedicado à defesa “da propriedade privada” e à promoção de “eventos beneficentes”. E esta constatação pode parecer paradoxal, mas não surpreenderia um estadista brilhante como Edmund Burke, para quem as tradições são muitas vezes mais sábias do que as fantasias de um único indivíduo, e justamente porque as tradições resultam das experiências triunfantes de incontáveis indivíduos. E nesse aspecto o homem simples leva vantagem sobre o homem intelectualizado, e o “integrado” pode sobressair-se ao “apocalíptico”: é que enquanto este último é prepotente o bastante para confiar apenas no próprio julgamento, o primeiro não tem escolha senão assentir modestamente aos costumes reiterados pela comunidade em cujo interior ele vive, sem saber que, com isso, está na verdade adotando para si os padrões cuidadosamente elaborados por incontáveis gerações. 


Superman: um mito inserido na lógica do mercado

Um outro aspecto do mito do Superman também explorado por Eco é a sua singular característica de encerrar em si duas qualidades contraditórias: evidentemente, o Superman é um mito, e nesta qualidade, é um “arquétipo”, isto é, um conceito imutável que “deve imobilizar-se numa fixidez emblemática que o torne facilmente reconhecível” (p. 251); mas enquanto personagem publicado mensalmente, ele também possui uma dimensão “romanesca”, vale dizer: suas aventuras obedecem a uma continuidade infinita, em constante mudança, e nesta condição, tais aventuras sempre apresentam uma novidade ao leitor. A partir destas premissas de Eco, seguirei com algumas reflexões pessoais.

De um lado, temos o mito que jamais muda, e cuja história se desenvolve em circunstâncias familiares ao leitor. Assim, por exemplo, a história de Aquiles e suas proezas e tragédia narradas na Ilíada são em essência as mesmas, desde os tempos de Homero. Do outro lado, temos a narrativa de romance desprovida de qualquer dimensão mitológica. Seus personagens não são arquétipos, e por isso o autor pode fazer com eles o que quiser. Além disso, é da essência da narrativa do romance que as situações descritas sejam sempre novas. O romance encanta o leitor pela novidade que apresenta; o mito, pela sua força simbólica. Parece-me evidente que o mito contém uma dignidade infinitamente maior. Seu sucesso consiste em um sua universalidade, ou, nas belas palavras de Eco, o mito encerra “a soma de determinadas aspirações coletivas”. Isso significa que o mito se comunica com a humanidade, justamente porque sua mensagem é universal. É fácil perceber porque o Superman é um mito. Seu poder simbólico é inegável. A criação de Siegel e Shuster representa aquele ideal aspirado por qualquer ser humano: a máxima força física, a máxima determinação moral. Ele é precisamente uma expressão estética daquele destino que a humanidade, tomada em seu conjunto, sempre almejará.

Diferentemente, o romance é descartável. Justamente por entreter o leitor pela novidade que apresenta, tão logo seja completamente consumido pelo leitor, a novidade desaparece e, consequentemente, o seu poder de entretenimento também. E então pode ser jogado fora. Mais uma vez, reconhece-se no Superman a sua dimensão romanesca a partir destas definições. É preciso admitir: entre suas histórias mensalmente publicadas, poucas são de fato memoráveis (obviamente esta observação pode ser feita sobre qualquer super-herói de quadrinhos). O leitor compra a nova revista do mês apenas para saciar sua curiosidade de saber como se deu a continuidade da história que fora apresentada do mês anterior, e para ganhar a expectativa de como será sua continuidade no mês seguinte. Tão logo ele tome posse dessas informações, o fascículo é guardado, e só será reaberto para tirar alguma dúvida, relembrar algum fato, ou simplesmente para rever a arte do desenhista.

Eis, portanto, a contradição do Superman: ele é, a um tempo, universal e circunstancial; arquetípico e imortal, mas também com uma dimensão descartável. Talvez esta seja a consequência natural de um mito que fora criado e desenvolvido em uma época imersa na lógica do mercado e produção. E é neste segundo aspecto que se impõe aquele que talvez seja o maior inimigo do Superman: a sua vulnerabilidade a novidades tolas idealizadas por editores e escritores mesquinhos, além de desenhistas incompetentes. Anos atrás, em um texto publicado neste mesmo blog, chamei esta ameaça de “vilão metalinguístico”. Nome bastante pedante, devo reconhecer hoje. Mas há verdade no conceito ao qual ele se refere. Por mais que amemos o personagem e reconheçamos a essência dele, nunca poderemos livrá-lo totalmente da má influência de editores oportunistas e escritores ruins que insistem em deformá-lo para que, assim, talvez aumentem um pouco as vendas e subam as cifras de seus próprios salários. Desde 1938, o Superman já foi circunstancialmente retratado como um idiota e colocado em situações humilhantes que contrastavam com sua enorme estatura mitológica. E isso sempre ocorrerá, uma vez que sua dimensão arquetípica está sempre acompanhada por sua dimensão romanesca. Ele é um mito que, infelizmente, por vezes é confundido com simples produto de mercado. E nenhum grande super-herói consegue se blindar contra isso. Vide o caso mais recente do Capitão América “nazista”, sobre o qual já falei algumas coisas neste blog. Por outro lado, é preciso afirmar que a dimensão romanesca precisa estar subordinada à arquetípica. A veracidade desta exigência confirma-se pelo fato de que os leitores mais sensíveis normalmente se revoltam com as mudanças drásticas e inadequadas pelas quais o super-herói passa. Certa vez, em uma discussão com um leitor de quadrinhos, eu estava me queixando de alguma reformulação estúpida pela qual o Superman passava (e que, aliás, já foi revogada). E então este leitor respondeu: “o Superman é aquilo que a DC Comics decide que ele deve ser”. Estas são as palavras de um leitor estúpido, incapaz de reconhecer a dimensão mitológica do super-herói, para rebaixá-lo apenas à sua dimensão romanesca e descartável.


E assim chegamos a um outro ponto. Embora nossos personagens favoritos não possam blindar-se contra esta terrível ameaça – isto é, os comerciantes da DC e Marvel que gostam de prostituí-los como produtos de mercado em lugar de respeitá-los como mitos – no entanto, acredito que o leitor inteligente e sensível a mudanças arbitrárias possa blindar a si mesmo. E como isso é possível? Primeiro, reconhecendo a essência do personagem. Em outras palavras, mediante a apreensão da dimensão mitológica e arquetípica do super-herói. Segundo, selecionando os materiais que irá consumir, adquirindo apenas aqueles que sejam fieis e adequados à dimensão mitológica do personagem (isto é, apenas se quiser evitar decepções).