É um lugar-comum assumir os X-Men como uma metáfora (ou,
talvez mais precisamente, uma alegoria) sobre os conflitos raciais ocorridos
nos EUA durante a década de 60. Assim, por exemplo, na biografia da Marvel
Comics escrita por Sean Howie (“Marvel Comics: a história secreta”), o autor
reforça esta opinião, e associa a personalidade de Charles Xavier à figura de
Martin Luther King, enquanto que Magneto, o mutante radical, representaria o
líder (também radical) Malcolm X. Para Howie, a mensagem de X-Men é clara: os
conflitos raciais deveriam acabar, mas por meio de uma política moderada,
conciliadora, tal como aquela proposta por Xavier (e Luther King). Acredito que
não sejam poucos aqueles que dão continuidade a esta interpretação metafórica
dos X-Men, e com isso associando-os, pela via analógica, a outras categorias de
minorias sociais, sejam elas étnicas ou de gênero.
O elemento fascinante de uma metáfora é que, não sendo
literal, ela oferece ao leitor latitude suficiente para que ele mesmo faça suas
próprias interpretações acerca do significado da mensagem. Portanto, não há uma
regra que possa definir, com total exatidão, qual seria a melhor interpretação
de uma metáfora, ainda que, obviamente, a interpretação precise ser formulada
dentro de certos limites, sob pena de soar completamente desvinculada da
metáfora sobre a qual incide e assim perder totalmente sua analogia com a mesma. O vínculo entre a interpretação oferecida e a metáfora interpretada pressupõe
um certo nível inequívoco de identidade entre ambas, um ponto de
identidade que não pode ser negado por nenhum leitor minimamente sério e
razoável. Sem dúvida, muitas histórias dos X-Men são uma metáfora sobre
a condição social de uma minoria. Mas que tipo de minoria?
De minha parte, eu não consigo associar os X-Men a minorias
raciais, étnicas, ou de gênero. Longe de representar conflitos baseados em
diferenças de cor, de costumes, ou de gênero sexual, creio que os X-Men se
referem às minorias constituídas por pessoas de talento. Afinal, basta nos
perguntarmos: por que os mutantes são odiados pelas pessoas comuns? Porque
possuem aparência diferente? Não. Porque possuem modos de vida e crenças
diferentes? Não. Porque são de algum gênero sexual minoritário? Obviamente que
não. Nas histórias dos X-Men, os mutantes são odiados porque eles possuem mais
poder que as pessoas comuns; porque possuem talentos especiais dos quais as
pessoas comuns são destituídas. O que faz os mutantes serem odiados é o fato de
que seus talentos geram um misto de inveja, medo e ressentimento nas pessoas
destituídas destes mesmos talentos. Portanto, o inimigo dos X-Men não é uma maioria de qualquer tipo, mas o agrupamento de pessoas medíocres.
Como diz José Ingenieros em seu conhecido livro “O homem
medíocre”, o termo “medíocre” incorpora em seu radical a expressão “médio”.
Portanto, “medíocre” é o homem médio, o indivíduo comum. Este indivíduo comum,
porque ciente de sua impotência espiritual, de sua incapacidade de destacar-se em meio à multidão de ordinários, tende secretamente a invejar e
sentir-se ameaçado por qualquer pessoa capaz de exibir algum talento especial.
Esta inveja e este medo conduzem ao ódio, ao ressentimento, e ele não demorará
a expressar publicamente esta frustração, sem, no entanto, deixar de justificá-la
por meio de sofismas, aparentemente coerentes. Todo o marxismo é um sofisma
deste tipo. No fim, o marxismo não passa de um discurso razoavelmente bem
articulado em sua superfície, cuja finalidade é justificar o ódio de muitos por
uma classe minoritária (os “burgueses”). O Nacional-Socialismo era a mesma
coisa: uma tentativa de justificar o ódio de muitos por uma classe constituída
por poucos (os judeus). Nos dois casos, o elemento comum consiste no fato de
que as minorias odiadas detinham um tipo de poder que a maioria não detinha, embora
desejasse obtê-lo para si.
A receptividade pública a estas doutrinas deve-se ao fato de que as mesmas justificam, dentro de um discurso aparentemente coerente, aquela pretensão majoritária, pretensão esta que, dissociada de qualquer justificação ideológica, soaria absurda e até criminosa à sã consciência. Mas um dos papéis da ideologia (1) é justamente o de corromper a sã consciência, conduzindo a mente do indivíduo a uma espécie de embriaguez intelectual que, tal como toda forma de embriaguez, é incômoda ao espírito sadio, mas altamente prazerosa e consoladora à alma torturada pela frustração.
A receptividade pública a estas doutrinas deve-se ao fato de que as mesmas justificam, dentro de um discurso aparentemente coerente, aquela pretensão majoritária, pretensão esta que, dissociada de qualquer justificação ideológica, soaria absurda e até criminosa à sã consciência. Mas um dos papéis da ideologia (1) é justamente o de corromper a sã consciência, conduzindo a mente do indivíduo a uma espécie de embriaguez intelectual que, tal como toda forma de embriaguez, é incômoda ao espírito sadio, mas altamente prazerosa e consoladora à alma torturada pela frustração.
E assim, se minha interpretação estiver correta, o jogo
parece se inverter: os X-Men não representam uma metáfora da necessidade de inclusão – ao
menos não de uma inclusão de certas minorias vitimistas e chorosas, que desejam
desesperadamente compensar sua ausência de rigor e talento por meio de
subsídios públicos ou privilégios de quaisquer tipos (2).
Em vez disso, os X-Men são uma denúncia: a denúncia da
inveja e do ressentimento de que padecem as pessoas medíocres, as quais, ironicamente,
compõem em grande parte as fileiras de certas minorias belicosas e histéricas,
inconformadas com a desigualdade de distribuição de poderes e talentos inerente
a este mundo, e que a todo momento clamam pela revogação dos méritos e pelo
nivelamento artificial das vantagens naturais, inclusive tratando o termo
“meritocracia” como sinônimo de injustiça social. O ódio ao mérito é ódio ao
talento, e o talento é a manifestação mais nobre do poder.
"Subjugar o mérito através da pressão política" – eis a máxima
aspiração dos medíocres que aparecem nas páginas dos quadrinhos dos X-Men, mas
que, infelizmente, também se manifestam neste mundo real.
(1) Utilizo-me aqui do termo "ideologia" no sentido definido por Eric Voegelin: um sistema fechado de ideias salvíficas que tem por objetivo promover o contentamento terreno através da ação política. Um pressuposto da paixão ideológica é uma certa dose de afastamento da realidade, o que somente é possível por meio da loucura, ou por causa de uma revolta subjetiva em relação à mesma.
(2) Exemplo
disso foi o caso do cancelamento, ocorrido em 2017 no Rio Grande do Sul, de uma
exposição de arte que seria patrocinada pelo banco Santander. Os artistas da
exposição e outras pessoas que com eles possuíam afinidade política trataram a
situação como um caso de “censura” e perseguição a uma minoria injustiçada. Na
verdade, a situação era bem mais simples. As pessoas apenas não conseguiram se
conformar ao ver o dinheiro do Santander – que em circunstâncias normais
deveria ser aplicado em serviços públicos através do recolhimento de tributos, mas
que graças à Lei Rouanet, seria investido naquela exposição – financiando
trabalhos tão grosseiros, estúpidos e ofensivos, que só poderiam ser considerados “artísticos” em um sentido muito pejorativo da palavra. Diante da péssima repercussão provocada pela publicação precoce das imagens destes trabalhos na internet, o Santander resolveu desistir de financiar a exposição. Ou seja, os artistas não foram censurados, uma vez que não foram proibidos de expor suas obras... eles apenas perderam o patrocínio do Santander.
Outro exemplo mais assustador desta tendência se manifesta no cenário educacional. Com base na lei 10.639/03, que dispõe sobre a obrigatoriedade de inclusão de conteúdos ligados à história e cultura afro-brasileira em todo o currículo escolar dos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, muitos educadores defendem a inclusão (aqui, um eufemismo para imposição) do estudo das obras de pensadores, escritores e cientistas, baseando-se na etnia ou raça dos mesmos (eles precisam ser "afro-descendentes"), e não na qualidade de seus respectivos trabalhos. Isto é: o critério principal de escolha de, por exemplo, uma obra de filosofia, não deve ser o nível de correspondência entre a mesma e a realidade que ela pretende explicar, mas a cor da pele de seu autor. Eis um caso flagrante onde as futilidades políticas de um povo assumem a primazia sobre a busca sincera do conhecimento e da verdade.
Outro exemplo mais assustador desta tendência se manifesta no cenário educacional. Com base na lei 10.639/03, que dispõe sobre a obrigatoriedade de inclusão de conteúdos ligados à história e cultura afro-brasileira em todo o currículo escolar dos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, muitos educadores defendem a inclusão (aqui, um eufemismo para imposição) do estudo das obras de pensadores, escritores e cientistas, baseando-se na etnia ou raça dos mesmos (eles precisam ser "afro-descendentes"), e não na qualidade de seus respectivos trabalhos. Isto é: o critério principal de escolha de, por exemplo, uma obra de filosofia, não deve ser o nível de correspondência entre a mesma e a realidade que ela pretende explicar, mas a cor da pele de seu autor. Eis um caso flagrante onde as futilidades políticas de um povo assumem a primazia sobre a busca sincera do conhecimento e da verdade.
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