“Conselho importantíssimo para os meus alunos. Quando você estiver lendo
um livro, ouvindo música clássica ou vendo um filme, se alguém vier
interrompê-lo com alguma conversinha banal do cotidiano, lance-lhe um olhar de
fúria assassina e ordene-lhe, aos berros, que nunca mais faça isso. A atividade
onírica é essencial para a saúde da inteligência, e aquelas três atividades são
sonhos acordados dirigidos. Aquele que não consegue se transportar a um mundo
imaginário e vivenciá-lo como real durante o tempo em que o contempla não
poderá jamais elevar sua inteligência acima do círculo da banalidade e da
mesmice. E quem o destitui dessa experiência, sobretudo se o faz de modo usual
e frequente, NÃO É AMIGO DO SEU ESPIRITO”(1).
Este belo texto escrito pelo
conhecido filósofo brasileiro Olavo de Carvalho (2)
merece comentários neste blog, e por uma razão muito simples: ele sublinha a
importância da nossa imaginação no desenvolvimento de nossas faculdades
intelectuais, e, consequentemente, a importância dos instrumentos que excitam
nossa capacidade imaginativa, tais como a música, livros e filmes.
No mesmo sentido, o filósofo
Russell Kirk desenvolveu uma teoria sobre aquilo que ele chamou de “imaginação
moral”, que basicamente consiste na capacidade de alcançar uma visão ética não
adstrita aos fatores circunstanciais e pessoais. Daí ser tão necessário, por
exemplo, o contato com a literatura em suas mais diversas expressões: seus
personagens imaginários que vivem em circunstâncias imaginárias produzem em nós
uma ampliação de nossas perspectivas, e servem para pôr em teste nossos juízos
e princípios morais. Por este motivo, Kirk sempre demonstrou publicamente
admiração pelo trabalho de fantasia e ficção de J.R.R. Tolkien. A literatura é
um bom instrumento para se evitar a idiotia (que restringe o indivíduo a ele
mesmo, isto é, ao pequeno território de suas experiências pessoais), e aqui
convém citar, novamente, Olavo de Carvalho:
Nunca esquecer que a palavra "idiota" vem de
"idios" = "o mesmo". O idiota nada concebe fora do seu
círculo de experiências repetidas ou daquilo que se diz no seu grupo de
referência. Em 99 por cento dos casos, o que lhe falta NÃO É capacidade de
raciocínio, mas imaginação. Só em imaginação podemos ver e sentir como vêem e
sentem pessoas diferentes de nós, em épocas e lugares diferentes dos nossos.
Sem esse exercício, estamos presos em nós mesmos (3).
Embora os dois autores citados
nunca tenham demonstrado (até onde sei) qualquer admiração por histórias em
quadrinhos e seus personagens fictícios, sinto que cabe-me aqui constatar que
alguns de nossos heróis populares também podem oferecer ao leitor um bom
exercício de ampliação de suas perspectivas éticas e, consequentemente, de
desenvolvimento de sua imaginação moral. Exemplo disso foi o último artigo que
escrevi neste blog, onde procuro debater filosoficamente uma difícil questão
moral – a saber, se a pena de morte seria justa – a partir das circunstâncias
fictícias vividas pelos personagens Justiceiro e Demolidor. Se nos fecharmos
apenas no horizonte tão estreito de nossa própria experiência pessoal,
semelhantes problemas morais poderiam sequer ser concebidos, muito menos
debatidos ou levados a sério.
Obviamente, não se pode olvidar o fato de que as histórias em quadrinhos estão inseridas em uma lógica de mercado e, por isso, muitas destas histórias e seus personagens não passam de produto descartável que existe apenas para ser consumido, e depois deixado de lado. Porém, minha orientação é no sentido de que algumas histórias e personagens conseguem oferecer ao leitor circunstâncias e conceitos instigantes o bastante para alimentar o sadio exercício da citada imaginação moral. Portanto, o uso frutífero e sadio das histórias em quadrinhos e seus personagens pressupõe uma capacidade seletiva do leitor inteligente. Mas esta regra se aplica igualmente em relação a qualquer outra manifestação artística, intelectual ou literária, como a música, os romances e os trabalhos científicos e filosóficos.
Obviamente, não se pode olvidar o fato de que as histórias em quadrinhos estão inseridas em uma lógica de mercado e, por isso, muitas destas histórias e seus personagens não passam de produto descartável que existe apenas para ser consumido, e depois deixado de lado. Porém, minha orientação é no sentido de que algumas histórias e personagens conseguem oferecer ao leitor circunstâncias e conceitos instigantes o bastante para alimentar o sadio exercício da citada imaginação moral. Portanto, o uso frutífero e sadio das histórias em quadrinhos e seus personagens pressupõe uma capacidade seletiva do leitor inteligente. Mas esta regra se aplica igualmente em relação a qualquer outra manifestação artística, intelectual ou literária, como a música, os romances e os trabalhos científicos e filosóficos.
1
Escrito por Olavo de Carvalho em seu perfil de Facebook, no dia 30-07-2017.
2
Olavo de Carvalho é amplamente odiado (desprezado, jamais) por grande parte
daqueles que compõem nossa classe acadêmica. Um dos motivos mais fortes deste
ódio é o aspecto culturalmente conservador do pensamento de Olavo. Mas em minha opinião, há
um outro motivo ainda mais forte. Olavo de Carvalho é justamente aquilo que a
maioria destes acadêmicos – com seus artigos e livros que consistem em
repetições estéreis do pensamento alheio – apenas pretendem ser: um filósofo de
verdade.
3
Escrito por Olavo de Carvalho em seu perfil de Facebook, no dia 30-07-2017.
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