quinta-feira, 23 de julho de 2015

O que o mito do Superman pode nos ensinar?



Há muito tempo penso que os super-heróis em geral não são simples figuras de entretenimento ou escapismo barato. Não; eu vejo nos super-heróis uma força pedagógica, na medida em que eles expressam e reforçam ideais morais a partir de seu exemplo. Os antigos gregos enxergavam seus heróis da mesma forma, e por isso Homero era considerado não apenas um poeta de grande imaginação, mas sobretudo um educador. Neste texto, procuro demonstrar alguns aspectos do mito do primeiro e mais arquetípico super-herói, o Superman, aspectos estes que podem nos ensinar algo sobre nós mesmos enquanto espécie humana, bem como guiar nossas vidas.

1. O Superman é símbolo de uma rejeição. Mas rejeição a quê? Rejeição a tudo que há de mais prosaico, insosso, baixo, débil, e patético na humanidade. Se somos predominantemente egoístas, Superman é inteiramente altruísta; se, fisicamente, somos naturalmente frágeis e débeis, ele, em contrapartida, é a imagem do poder encarnado. Em suma, ele é aquilo que deveríamos ser, mas que não somos. E ao ser tudo o que deveríamos ser, mas não somos, Superman representa-nos uma imagem de repúdio ao “humano, demasiado humano”1. Portanto, ao contrário do que muitos pensam, há muita agressividade na mera imagem do velho escoteiro. Algumas pessoas o odeiam, e com razão: pois se sentem ofendidas por ele, tal como o indivíduo vaidoso se sente ofendido pela simples presença daquele que ele sabe ser um rival superior. Para o narcisista, é extremamente difícil olhar para qualquer outra coisa que não o próprio retrato. Mais difícil ainda para ele é deparar-se com uma imagem que representa sua própria superação, e assim, que funciona como uma denúncia de suas próprias carências e defeitos. Por esta razão o Superman não se encontra em seus melhores dias de popularidade. Em tempos de selfie, isto é, em um período no qual presenciamos esta epidemia de narcisismo universal, um Super-homem não pode ser muito popular. Como escreveu brilhantemente Mark C. Henrie, “a psique da modernidade anseia por identificar-se com um protagonista e, acanhada, evita o julgamento implícito contra o prosaico que é expresso por meio da vida exemplar do herói”2. Mas justamente aí consiste uma das grandes virtudes de seu mito: ele nos convida à superação de nós mesmos e ao abandono do estado de mediocridade. Mas para aceitar este convite, primeiro devemos neutralizar nosso próprio egoísmo e vaidade, e parar de admirar apenas aquilo com o qual nos "identificamos".

2. Superman nos ensina o imensurável valor da compaixão, mas sem deixar de conciliá-la com a justiça. Poucos heróis demonstram tanta compaixão pelos mais fracos como o Superman. Diferentemente da maioria dos heróis, ele não luta motivado por emoções cuja base é egoísta, tal como o ressentimento pessoal ou a vingança. Seus pais não foram assassinados, e nem seu tio. Ele simplesmente não suporta ver outro homem sofrer, e por isso decidiu agir como herói. Mas apesar de seu grande coração, ele não hesita em dar ao vilão aquilo que este merece. Inocentes são dignos de compaixão. Mas o culpado deve ser detido, mesmo que por meio de super-pancadas. Muitos filósofos, sociólogos e psicólogos buscam "causas" para a maldade e comportamento antissocial, como se a espécie humana fosse fundamentalmente angelical e repleta de boas intenções e, portanto, como se devesse existir causas externas de nossa eventual corrupção. Assim pensam muitos homens. Mas um super-homem prefere pensar que todo indivíduo é dono de seu destino, e, por isso, na mesma proporção em que deve ser parabenizado por seus acertos, deve ser julgado e punido por seus erros. 

3. Superman é o “escoteiro”, um personagem “old fashioned”. E com isso demonstra que a defesa dos velhos valores e costumes define um verdadeiro super-homem. Apenas os pequenos escravos das circunstâncias seguem os modismos passageiros. E é melhor deixarmos os desejos de inovações radicais para vilões progressistas que sempre perseguem sonhos utópicos de dominação, tais como Lex Luthor. Sim, Superman é definitivamente aquilo que alguns chamam de “conservador cultural”, ou “tradicionalista”. E não há vergonha alguma em sê-lo, uma vez que esta é a marca deste homem superior.

4. Seu mito nos ensina o valor da família e o quão sagrada ela é, além de prestar uma singela homenagem à salutar simplicidade da vida rural. O que mais me agrada na versão produzida por John Byrne é que os pais adotivos do Superman estão vivos, e assim podemos acompanhar a relação familiar na qual um super-caráter pode ser forjado. O que seria do bom Clark Kent, não fosse a forte união matrimonial de um homem e uma mulher e o amor que ambos conferiram ao seu filho adotivo? Uma família unida e organizada é capaz de feitos maravilhosos! Além disso, jamais podemos esquecer que embora Clark viva na grandiosa e atribulada Metrópolis, o que faz dele verdadeiramente nobre é a sua origem simples adquirida na pequena Smallville.

5. Nada que é realmente bom pode vir deste mundo. O Super-homem não é um homem nascido na Terra, que se tornou superior após ler “Assim falou Zaratustra”, ou algum texto evolucionista de Herbert Spencer. Ele veio de um mundo “muito, muito distante”. Portanto, em meu modo de interpretar o mito do Superman, penso que ele nos ensina que devemos ser humildes enquanto espécie, e portanto ele afasta aquele humanismo patético que consiste na crença muitas vezes difundida de que somos capazes de realizar toda e qualquer coisa com base em nossa – supostamente profética e onipotente – racionalidade. “Não há limites para o homem!”. Há, sim. E justamente porque somos homens.

6. Super-heróis possuem super-poderes. É absurdo pensar que com inteligência, engenho, capital e algo como um cinto de utilidades podemos ser super-heróis. O mito do Superman afasta essa fantasia humanista. Se ele não tivesse super-poderes, então provavelmente seria apenas um homem comum, com uma família, uma casa, e um emprego, porque é isso que homens comuns e mentalmente sadios fazem. Portanto, paradoxalmente, penso que os personagens mais irreais são justamente aqueles que seriam supostamente mais realistas, tais como o Batman, Rorschach ou o Homem-de-ferro, pois, apesar de serem simples homens, eles realizam aquilo que não está ao alcance de nenhum homem realizar. Mas então o mito do Superman nos convida à vida prosaica, à mediocridade? Claro que não. Ele nos convida à realização do bem, mas dentro de nossas possibilidades. O Superman é um super-herói, porque dentro de suas possibilidades ele pode lutar contra super-vilões. Mas apesar de não contarmos com incríveis poderes, no entanto ainda podemos seguir seu exemplo de moralidade. Podemos tentar ser boas pessoas. Não podemos enfrentar fisicamente assaltantes armados ou impedir terremotos, mas podemos ser bons cidadãos, bons amigos, bons filhos, bons pais, bons maridos, etc. Este é o melhor meio de incorporarmos, em nossa vida concreta, aquele que é para mim o melhor aspecto deste mito: sua bondade e moralidade tipicamente cristãs. Como o próprio Superman diz em uma velha história da Era de Prata: “sejam bons uns para os outros, e todo homem pode ser um super-homem”3.





1 Em minha opinião, o Übermensch de Nietzsche também era “humano, demasiado humano”. Nossas cadeias – e algumas de nossas universidades – estão repletas de “humanos, demasiado humanos” deste tipo, isto é, pessoas que veem as tradições morais da humanidade como meros limites ao seu arbítrio e que anseiam liberar seus mais insólitos apetites “dionisíacos”.
2 HENRIE, Mak. C. “Russell Kirk e o coração conservador”, 2013, p. 59.
3 A história em questão foi chamada no Brasil de “Os últimos dias do Superman”. Foi escrita por Edmund Hamilton e desenhada por Curt Swan, sendo publicada originalmente em Superman 156, de outubro de 1962. No Brasil, foi publicada pela Panini na coletânea “A maiores histórias do Superman”, em 2008. 

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