sábado, 20 de outubro de 2018

Por que "O Fantástico Jaspion" foi e continua a ser um grande seriado




Como quase toda criança nascida em meados dos anos 80, assumi Jaspion como um de meus heróis favoritos naquele período, quando sua série – então exibida sob o título de O fantástico Jaspion na saudosa Rede Manchete – desfrutava de enorme popularidade. Na verdade, até onde posso me lembrar, Jaspion foi meu primeiro herói favorito. Recentemente, motivado por um sentimento de nostalgia, resolvi rever os episódios daquele que se tornou o arquétipo do herói japonês para a geração de brasileiros que viveram os anos 80 e início dos 90. E fiquei surpreso com a qualidade do seriado. Não, não estou me referindo aos efeitos especiais, bastante ultrapassados (aliás, esse é o destino de todo efeito especial). Estou me referindo àquelas características que são as únicas capazes de predispor uma obra à eternidade: a belíssima trilha sonora, o padrão estético elegante, o carisma dos atores e, acima de tudo, a qualidade das histórias.

E é exatamente este último aspecto que mais me surpreendeu em Jaspion, durante minha primeira revisão da série depois de tantos anos. Arrisco dizer que as histórias de Jaspion são capazes de agradar universalmente. É por isso que as mesmas me encantaram tanto em meus primeiros anos de vida, e me encantam novamente agora, quase 30 anos depois. E qual o motivo do encanto? Acredito que a resposta seja simples: Jaspion é literalmente emocionante

Não raramente, suas histórias versam sobre os aspectos mais trágicos da vida humana. Enquanto se assiste ao desenrolar da história, é fácil compadecer-se do sofrimento dos personagens, o que gera no espectador o desejo de presenciar a resolução do drama apresentado. Assim, por exemplo, no episódio 34 (“a fortaleza indestrutível”), temos a história de um garoto que sofre com a ausência de seu pai, o qual na verdade ama demais seu filho, porém é forçado a distanciar-se dele em razão de sua profissão. No episódio 23 (“o monstro do século”), é-nos contada a triste história do monstro Sion, uma criatura de coração puro, mas que ao final é enfurecido pela magia do vilão Satan Goss, ficando totalmente descontrolado. Nestas circunstâncias, o herói Jaspion não tem escolha senão destruir o pobre Sion. Esta é, seguramente, uma das histórias mais tristes com as quais já tive contato em minha vida. Jaspion não expressa apenas o heroísmo triunfante, mas também o heroísmo trágico (1).

Aliás, este mesmo episódio revela uma outra constante em Jaspion: a exigência de respeito e compaixão pelas criaturas de alma inocente e, sobretudo, a reverência por valores como a  amizade e a pureza das crianças. Emblemático neste sentido é o terceiro episódio (“O sonho do menino galáctico”), que narra a história de amizade entre um garotinho e o bondoso monstro Namaguederaz, que adoece após ser atingido criminosamente por uma flecha envenenada. Para salvá-lo, Jaspion impõe-se o objetivo de encontrar a “fruta da vida”, que contém o único antídoto capaz de salvar a vida de Namaguederaz.

Com base nestas pequenas descrições, já é possível perceber que uma das grandes características das histórias de Jaspion consiste no fato de que as mesmas induzem-nos a um profundo comprometimento emocional com o drama apresentado, na medida em que exibem uma espécie de “doçura” muito similar a de obras como o Pequeno Príncipe.

Em muitos aspectos, Jaspion é apenas uma produção “b” marcada pelo desejo provinciano de emular as grandes produções hollywoodianas de ficção científica da época (impossível não perceber a influência de Star Wars em Jaspion). Mas a mencionada “doçura” de suas histórias, consistente naquela apaixonada reverência ao amor e na emocionada exaltação da pureza da alma inocente, faz de Jaspion uma obra independente e até superior, em muitos níveis, relativamente às produções norte-americanas de ficção científica e heróis. Pessoalmente, jamais me emocionei assistindo a qualquer filme da série Star Wars. Por outro lado, revendo os episódios de Jaspion, tive de me esforçar em diversos momentos para não chorar.

Portanto, Jaspion não é entretenimento vazio, mas verdadeiro exercício de imaginação moral, na medida em que fortalece no espectador seu senso de compaixão, conditio sine qua non da prática do verdadeiro amor. Trata-se de uma obra verdadeiramente artística, atemporal, tão agradável quanto educativa (2).


                                                                             NOTAS


1 Todas as produções cinematográficas de heróis da atualidade falham em suas patéticas tentativas de reproduzir o heroísmo trágico. Por exemplo: quando Thanos destrói metade da existência em “Guerra Infinita”, isso dificilmente gera qualquer compadecimento no espectador. Mas quando o monstro Sion morre (inesperadamente) no final do episódio citado de Jaspion, é difícil segurar as lágrimas. Um real sentimento de perda e desamparo simplesmente invade o ambiente, e o espectador não tem saída senão comover-se profundamente.
2 Em função de minha redescoberta de Jaspion, resolvi assistir a uma produção Tokusatsu recente, Space Squad, centrada no herói Gavan (de quem, aliás, Jaspion foi apenas um continuador). Sinto dizer isso aos fãs de Tokusatsu, mas sem os elementos éticos e emocionais ricamente explorados em Jaspion, o gênero Tokusatsu não passa de uma tentativa um tanto desajeitada – e até triste – de copiar o cinema americano. Assistindo a Space Squad, eu tinha a sensação de estar vendo algum filme amador protagonizado por estas pessoas que se fantasiam em convenções de super-heróis. Esta incômoda impressão fica ainda mais evidente quando se assiste Kyuranger vs Space Squad, produzido neste ano.