Durante a semana passada, assisti
na companhia de minha esposa o filme da Liga da Justiça, em seu dia de estreia
aqui no Brasil. Quando o filme começou, confesso que estava um pouco
pessimista. Nada do que eu tinha visto nos trailers havia realmente me
empolgado. Mas – talvez mais por sensação interna de dever do que de autêntico entusiasmo – fui assistir ao tão aguardado filme. E, contrariando minhas
modestas expectativas, devo dizer: foi uma experiência incrível! Empolguei-me
como há muito tempo não me empolgava com filme algum. Liga da Justiça mostrou-se um perfeito filme para o gênero de
Super-heróis, totalmente apropriado para todas as idades (como deve ser um
filme de super-heróis): nele há bons diálogos, cenas de ação empolgantes, humor
equilibrado, sólidas interpretações, um vilão inequivocamente malvado, excelente trilha sonora (seja bem-vindo novamente, mr. Elfman!) e a boa e velha luta do
bem contra o mal.
Saí da sala de cinema decidido a
voltar mais uma vez, no fim daquela mesma semana. Minha esposa também adorou.
Todo o público que estava conosco no cinema parecia ter sentido a mesma coisa.
As pessoas vibravam com os momentos de ação, riam nos momentos de humor...
Enfim, quando o filme terminou, a primeira coisa que pensei foi “a Warner
ganhou os críticos”. Quando retornei para ver o filme mais uma vez, quatro dias
depois, a sala estava completamente cheia (nunca tinha visto tanta gente em uma
sala de cinema) e, novamente, a reação do público foi extremamente calorosa.
Aliás, eu jamais havia testemunhado este nível de interação positiva do público
da sala de cinema em relação ao filme exibido. Não vi isso na exibição de nenhum
filme dos Vingadores, ou do X-Men, ou do Capitão América, ou da série Star
Wars, ou mesmo de qualquer filme da própria Warner. Posso dizer que presenciei,
em duas oportunidades, o absoluto sucesso do filme da Liga da Justiça em
relação ao seu público consumidor.
Por estes motivos fiquei
extremamente surpreso, mais tarde, com a receptividade negativa por parte dos
críticos profissionais em relação a este trabalho. E o detalhe de maior
importância é que a maioria destas críticas (talvez todas elas) direcionam-se a
problemas que podemos encontrar em QUALQUER filme do gênero, mas que só
ganharam peso ao serem compartilhados pelo filme da Liga.
Exemplos: muitos de seus
detratores afirmam que a história é simplória, previsível. Bom, eu não acho que
quando estes mesmos críticos foram assistir o primeiro filme dos Vingadores,
tenham imaginado por algum momento que a) todos os heróis da trama não iriam se unir durante o clímax da
história, ou que b) os Vingadores, unidos, seriam derrotados pelo vilão no
final. Os super-heróis são um gênero previsível. Sempre sabemos por que os
conflitos começarão (normalmente por causa de algum vilão megalomaníaco), e
como terminarão (os heróis vencerão o vilão megalomaníaco). A estrutura de uma história de super-heróis
é como a estrutura harmônica de um blues: altamente previsível e simples. O
que será determinante na aferição do nível de qualidade de um blues ou deste
tipo de história é o modo como esta
estrutura comum e repetitiva será preenchida. E neste quesito, Liga da
Justiça acertou em cheio, uma vez que a citada estrutura fora preenchida por
bons diálogos (com frases que já são marcantes), excelentes cenas de batalha
(que, de tão impressionantes, podem ser assistidas várias vezes), belíssima
trilha sonora, etc.
Também criticou-se o vilão
(Steppenwolf, ou Lobo de Estepe). Disseram que foi um vilão fraco, muitas vezes
no sentido de ser simplista (sim, pois provavelmente para estes críticos
inteligentíssimos, os desejos de dominação mundial de Loki, Ultron ou Caveira
Vermelha eram certamente dotados de uma complexidade e profundidade psicológica
dignas dos personagens de Tolstoi). Alguns também apontaram uma falta de
carisma ou personalidade (acusação bastante injusta, em minha opinião). Mas
devo lembrar estes críticos de que o reconhecidamente patético e desajeitado
Kylo Ren não foi um obstáculo para que os mesmos rendessem os maiores elogios a
Star Wars: o despertar da força.
Alegou-se também que Steppenwolf fora composto por computação gráfica (CGI) de
qualidade ruim. Não entendi muito bem esta parte. Achei Steppenwolf
graficamente tão convincente quanto o Hulk (e eu havia assistido Thor: Ragnarok tinha apenas uma semana),
isto é, não prejudica o filme, mas dá pra perceber com facilidade que se trata
de um desenho, e não de uma criatura real. Então se o telespectador não teve
problemas com o Hulk, ou com o Ultron, ou com inúmeros monstros que apareceram
nos filmes do Thor, então ele também não terá problemas com Steppenwolf.
Alguns disseram, em um costumeiro
tom de altivez, que há “furos” na narrativa (ó!). É claro que há falhas de
roteiro (que eu não consegui perceber, porque estava ocupado me entretendo com
o filme)... sempre há. Mas, por exemplo, quando Rey “despertou a força” em meio a uma luta
com Kylo Ren (citemos novamente Star
Wars: o despertar da força...), realizando, assim, em alguns poucos
segundos aquilo que Anakin e Luke levaram tempos e duro treinamento para
conseguir, poucos ousaram criticar, ou rebaixar as notas do filme em razão disso.
Obviamente, não estou dizendo que
Despertar da força, ou Vingadores, ou Thor etc. são filmes ruins. São todos bons filmes também. O que
quero dizer é que Liga da Justiça não
pode deixar de ser considerado um bom filme apenas porque possui algumas
inconsistências, uma vez que as citadas inconsistências parecem ser endêmicas ao
gênero super-herói/fantasia/ficção científica.
Para não dizer que absolutamente
nada me incomodou neste filme, devo citar a cena de abertura do filme, com o
Superman. A ideia da cena em si foi muito boa. Mas fica difícil não perceber
que Henry Cavill sofreu mudanças de computação gráfica na face, para apagar o
infame bigode que o ator teve de conservar por força de um contrato com o
estúdio de Missão Impossível 6. Fiquei
incomodado ao assistir. Porém, é preciso notar: esta cena (que talvez tenha
menos de 1 minuto de duração) foi a única em que qualquer alteração neste
sentido tenha sido perceptível (e mesmo assim, arrisco dizer que tenha sido
perceptível apenas para pessoas com familiaridade com a face de Cavill). Em todas as outras cenas com o Superman, não
pude notar nenhum traço de alteração decorrente de imagens geradas por
computador.
E isso nos leva a um outro ponto
deste texto: um fenômeno social já antigo, mas hoje mais evidente, que é a
falta de autonomia intelectual das pessoas. Pensar por si mesmo exige coragem,
porque te torna diretamente responsável por suas próprias opiniões. Mas
simplesmente seguir uma opinião formada – principalmente se a tal opinião
formada tenha sido produto gerado por supostos “peritos” no assunto – torna
tudo mais fácil, pois se você estiver errado, basta deslocar seu oponente para
o verdadeiro gerador da sua opinião. “Vá reclamar com ele... eu apenas repeti o
que ele disse”. Portanto, a heteronomia intelectual (que basicamente consiste
em pensar com a cabeça dos outros) é, em primeiro lugar, um sintoma de fraqueza
moral, porque denuncia o medo da responsabilidade proporcionada pelo pensamento
livre e espontaneidade do julgamento pessoal. É muito mais fácil viver como
animal de rebanho do que como um predador independente.
Pois bem: de maneira bastante
inusitada, o filme da Liga da Justiça demonstra este triste e persistente
sintoma social, pois é sem número o caso de pessoas que manifestam ódio e
desprezo por este filme com base na opinião de críticos. E a maior prova disso
é o caso dos efeitos de CGI sobre o rosto de Cavill. Muitas pessoas têm
declarado que TODAS as cenas com o Superman foram arruinadas graças a este
recurso, quando na verdade, conforme já dito, apenas a cena inicial do filme (e
que dura alguns poucos segundos) sofre deste problema. Estes patéticos “críticos”
por derivação chegam mesmo a cometer a gafe de postar, em redes sociais, imagens
do rosto de Cavill, mas que foram tiradas de outros momentos do filme onde não
há qualquer sinal de deformação por CGI, como se alterado o rosto estivesse. E
não faltam membros e pretensos membros do mesmo rebanho para expressarem suas
críticas, com ar de sapiência e superioridade, ao rosto do ator, que na verdade
aparece inalterado na imagem que é objeto de chacotas. Portanto, são pessoas que preferem seguir
opiniões formadas de antemão a tirar conclusões com base nas próprias
percepções e experiências. São autômatos do pensamento. Rebanho.
Claro que há muitos “haters” que
procuram se beneficiar desta situação. Hoje há pessoas que escolhem Marvel ou
DC como se fossem times de futebol. Mas sem o automatismo do julgamento, estes
“haters” teriam vergonha de manifestar suas opiniões. Se o fazem, fazem-no
porque se sentem fortemente amparados sobre a opinião de terceiros.
Por isso concluo que o grande
vilão contra o qual o filme da Liga da Justiça deve lutar é o automatismo do
pensamento daqueles petulantes e impotentes que se supõem críticos
independentes. Esta mentalidade de rebanho já provocou consequências severas.
Afinal, o filme da Liga faturou até aqui muito menos do que o esperado, graças
a esta infundada epidemia de calúnia virtual. Mas isso não é nada comparado às
consequências sociais mais graves que resultam, de tempos em tempos, daqueles
que alienam a própria capacidade de percepção em nome da covardia – porque têm
medo de assumir a responsabilidade que decorre da liberdade intelectual – e da
vaidade – pois no fundo também desejam aparentar esperteza e sofisticação
diante de seus verdadeiros mestres e condutores.